Em 25 de junho de 2014, através da sanção da Lei nº 13.005, o Brasil assumiu o compromisso legal do Plano Nacional de Educação, conjunto de metas e estratégias que deverão ser concretizadas no decorrer da próxima década. No contexto desse Plano, o país estabeleceu a diretriz de ampliar o investimento público em Educação pública, como forma de garantir o cumprimento das demais metas. Explicitamente, definiu que deveremos atingir até 2019 o patamar de uma quantia de recursos equivalente 7% do Produto Interno Bruto (PIB) investido publicamente em Educação pública. Até 2024, devemos atingir 10% do PIB.

Cenário atual de investimento. De acordo com o dado oficial mais recente, divulgado pelo Inep/MEC, o investimento público direto em Educação era equivalente a 5,2% do PIB em 2013. Ou seja, o compromisso legal é de quase dobrar a aplicação de recursos com Educação pública no prazo de uma década – sem, no entanto, definir de onde viriam tais recursos.

Mas por que investir mais? Já não gastamos com Educação o mesmo – e muitas vezes até mais! – que os países desenvolvidos em porcentagem do PIB? Certo, em média os países da OCDE investem 6,1% do PIB em Educação, enquanto nós investimos 6,2% do PIB quando considerados os gastos públicos com Educação privada e bolsas (como o FIES). Mas, olhando por outro ângulo, gastamos por aluno da Educação Básica 1/3 do que gastam os países desenvolvidos da OCDE em média, por conta do nosso PIB per capita pouco elevado e de uma estrutura demográfica relativamente mais jovem.

O quadro de investimento educacional brasileiro fica mais claro quando consideramos que o investimento por aluno no Ensino Superior público (R$ 21.383) é quase quatro vezes superior ao investimento por aluno da Educação Básica pública (R$ 5.495). Mesmo considerando que uma formação superior é mais cara em termos de insumos educacionais, a balança parece estar desequilibrada. É preciso considerar, inclusive, que a Educação Básica é a base da qualidade do Ensino Superior, para além de seu papel de equidade por seu caráter teoricamente universal.

Contudo, a crise nas Universidades Federais, em virtude dos cortes recentes de investimento pela União, aponta que o caminho não seria diminuir recursos do Ensino Superior público em direção à Educação Básica pública, sob o risco de haver uma depreciação do patrimônio educacional físico já instalado e retrocessos em pesquisa e inovação. Mas, para passar dos atuais 5,2% do PIB investidos publicamente em Educação pública para os 10% definidos pelo PNE, o lugar certo a se investir adicionalmente parece ser a nossa Educação Básica pública.

Os porquês de um investimento ampliado. Investir mais na Educação Básica pode significar incluir os atuais 2,8 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola, através de programas de busca ativa e de abertura de vagas onde se faz necessário. São crianças e jovens que estão tendo sonegados seus direitos à Educação.

Investir mais pode gerar uma maior capacitação nossos professores, uma vez que, segundo dados do Observatório do PNE, quase um quarto dos professores da Educação Básica do país não possuíam nem curso superior em 2014, um descumprimento à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996).

Pode também tornar a carreira docente mais atrativa a partir de maiores salários, alterando o cenário de que professores da rede pública recebem apenas 54,5% do que ganham, em média, os demais profissionais com mesma escolaridade – dado de 2014 disponibilizado pelo Observatório do PNE. Além disso, permitiria uma redução do número de alunos por turma, fazendo com que cada aluno receba maior atenção de seu professor. Em outros termos, o maior investimento pode qualificar as condições de trabalho do magistério de forma que essa profissão se torne uma opção mais bem vista pelos jovens que estão concluindo o Ensino Médio.

Investir mais na Educação Básica pode significar garantir uma infraestrutura básica nas escolas brasileiras. Em 2015, só 22,9% das escolas públicas da Educação Básica possuíam os itens elementares de energia elétrica, esgoto sanitário, água tratada, banheiro dentro do prédio escolar, biblioteca ou sala de leitura, internet e quadra de esportes, de acordo com dados calculados a partir do Censo Escolar.

Ademais, um maior investimento pode trazer novas oportunidades tecnológicas para dentro da sala de aula; só 46,7% das escolas públicas possuíam, por exemplo, internet banda larga; já a estrutura de laboratório de informática estava presente em só 44,7% das escolas públicas em 2015.

Investir no lugar certo. Mas é fundamental também ter a perspectiva de que se investe mal em Educação Básica no Brasil. Formações continuadas que pouco agregam em didática e reciclagem para os nossos professores. Infraestrutura e material didático que não se utilizam adequadamente – muitas vezes insumos comprados são obsoletos ou são guardados por anos em salas trancafiadas. Aumento de salários para os professores sem se estruturar uma carreira que incentive bons resultados da docência. Todos esses pontos e muitos outros dão a tônica da má utilização de recursos educacionais que ocorre com frequência em muitas localidades brasileiras.

A solução para isso parece ser algo simples, mas que se traduz em grande desafio quando consideramos as dimensões continentais de geografia e desigualdade do Brasil: saber se estamos investindo mesmo no lugar certo, se os recursos chegam à escola e ao aluno. Em outras palavras, monitorar o investimento para que ele seja eficiente em melhorar as condições de aprendizagem dos estudantes.

Fiscalizar para ter eficiência. Esse passo, imprescindível para qualquer política pública exitosa, envolve primeiro um apurado mapeamento da situação objetiva da realidade educacional brasileira, mirando as necessidades de cada escola e de cada turma; dessa forma, pode-se prescrever o remédio adequado (acompanhado dos recursos necessários). Depois, é preciso também fiscalizar a concretização do investimento na prática, através de robusto sistema de auditoria e transparência, utilizando um conjunto de parâmetros de gastos regionalmente estabelecidos. Dessa forma, garantir-se-á uma maior observância e consequente responsabilidade no uso de recursos educacionais, sem afetar a liberdade das redes e das escolas nas decisões orçamentárias.

É importante, nesse processo, ativar os estudantes como parceiros de monitoramento da qualidade do gasto, através de efetivos canais de ouvidoria. Principais interessados no assunto, os alunos podem e devem ser protagonistas na definição da alocação de recursos nas diferentes possibilidades de melhoramentos escolares. As opiniões de pais, professores e funcionários das escolas também devem ser centrais no processo de fiscalização.

O monitoramento preciso, com responsabilização enfática nos casos de desvios e de persistente ineficiência, poderá minimizar drasticamente o desperdício de recursos na Educação brasileira – o qual ainda não foi mensurado, embora se saiba da relevância do tema posto que redes municipais com casos de corrupção na área educacional possuem menores desempenhos em testes padronizados. Reduzir o desperdício é algo crucial para que expandir o montante à disposição leve a uma Educação de qualidade, principalmente em um cenário de crise fiscal no qual as fontes orçamentárias escasseiam.

Com um programa que evite que recursos educacionais sigam por caminhos tortuosos que não desembocam na melhoria dos processos de ensino-aprendizagem, haverá a garantia de que um investimento ampliado na Educação – como se faz necessário para o cumprimento do Plano Nacional de Educação – esteja sendo aplicado no lugar certo, do modo certo.

 

 

Texto elaborado a partir da discussão realizada no minicurso “Desafios da Educação Brasileira e construção de indicadores educacionais”, ministrado pelo Grupo de Estudos Econômicos em Educação da USP no dia 20 de Julho de 2016 aos participantes do Encontro Nacional dos Estudantes de Economia (ENECO).