* Texto publicado originalmente no Correio Braziliense, em 01/05/2017.

Não há direito garantido pela metade e não há cidadania completa sem que o acesso à escola e a Educação de qualidade para todos sejam princípios de uma sociedade. No Brasil, o direito a um lugar na escola ainda não é concretizado para 2,5 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos, de acordo com os indicadores do movimento Todos Pela Educação monitorados por meio dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE). Não podemos nos acostumar com esse descaso; pelo contrário, precisamos intensificar o trabalho para, de acordo com a Constituição Federal, garantir a todos Educação de qualidade.

Sem dúvida, é importante reconhecer que avançamos no enfrentamento desse desafio na última década. Em 2005, havia cerca de 5 milhões de crianças e jovens fora da escola – 1,8 milhão de 4 a 5 anos, 1 milhão na faixa etária de 6 a 14 anos e 2,2 milhões entre 15 e 17 anos. Já em 2015, os números caíram para 513 mil, 430 mil e 1,5 milhão respectivamente, em cada faixa etária. Esse fenômeno deriva de um esforço de expansão do acesso, resultado de iniciativas como a Emenda Constitucional nº 59, de 2009 – que ampliou a obrigatoriedade da Educação Básica de 6 a 14 anos para de 4 a 17 –, programas federais como o Proinfância e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que ampliou o financiamento da Educação Infantil e do Ensino Médio. Além disso, o período foi marcado por uma mudança no perfil demográfico da população, que tem cada vez menos crianças e jovens em idade escolar.

Com base nesse cenário, muitos tomaram como certa a universalização da Educação Básica. É preciso ter cuidado com essa ideia, sob o risco de tirar a pressão dos governos em relação à necessidade de garantir o direito à Educação para as populações mais vulneráveis, notadamente as crianças e os jovens com alguma destas três características: oriundos de famílias mais pobres e que tiveram historicamente menor acesso à Educação; pretos ou pardos; e moradores da zona rural. Da população fora da escola, por exemplo, cerca de um terço é do decil (10%) mais pobre das famílias do país. Além disso, estima-se que muitas dessas crianças e muitos desses jovens ainda fora da escola tenham algum tipo de deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou superdotação – mas infelizmente não há informações atualizadas sobre essa população.

São justamente essas crianças e esses jovens – mais vulneráveis social e economicamente – que mais precisam de Educação de qualidade, uma condição necessária para superar o ciclo de exclusão e pobreza em que vivem. Trata-se de uma questão de justiça social, que demanda diferentes respostas para as diferentes faixas de idade e realidades.

Na faixa etária de 15 a 17 anos, o maior desafio nacional não é tanto a oferta de vagas, mas como frear a evasão. As razões fundamentais que motivam a saída da escola estão ligadas à falta de qualidade do sistema escolar, à gravidez precoce, à violência nos grandes centros urbanos e à dificuldade de conciliar estudo e trabalho – fatores que incidem principalmente nos grupos mais vulneráveis. Dentre os adolescentes e jovens de 10 a 17 anos que estão fora da escola (1,9 milhão), cerca de 14% são meninas-mães – que têm renda familiar de apenas 40% da média brasileira.

Do ponto de vista da falta de qualidade, é possível identificar pelo menos duas causas: os altos índices de reprovação e a percepção dos jovens de que a escola não faz sentido para sua vida. Em muitos casos, o abandono ocorre ainda no Ensino Fundamental – quase 20% dos jovens de 19 anos nem chegaram a entrar no Ensino Médio.

Para mudar esse quadro, há um conjunto de medidas necessárias e factíveis, já determinado no Plano Nacional de Educação. Um dos pontos é tornar a escola de Ensino Médio e de Ensino Fundamental um espaço mais acolhedor, mais desafiador e mais atrativo, o que envolve, por exemplo, um aprimoramento da infraestrutura escolar. É preciso também fortalecer a profissão de docente, o uso pedagógico das avaliações, os processos de busca ativa e o diálogo na comunidade escolar.

Em outros termos, é fundamental realizar ações voltadas à garantia dos direitos de aprendizagem de forma a atender aos desejos e sonhos de nossas crianças e nossos jovens, com especial atenção àqueles que se encontram em situações mais vulneráveis. Isso exige que a lógica se baseie em dar mais oportunidades para quem tem menos, em oferecer uma escola digna para quem não tem acesso a ela. Só assim poderemos garantir integralmente o direito à Educação e à cidadania para todos aqueles que compõem o futuro do nosso país.

Allan Gaia Pio, Caio Callegari e Priscila Cruz, respectivamente coordenador de Dados, Estudos e Pesquisas, coordenador de Projetos e presidente-executiva do movimento Todos Pela Educação