Por Tomás da Nóbrega*

Novos modelos de escolas privadas que estão mudando o processo de ensino-aprendizagem, com alta régua no conteúdo pedagógico e modelo de gestão inovador.

Imagine uma escola com mensalidades de US$165 (R$515) que proporcionam aos alunos um aprendizado comparável ao das escolas mais conceituadas e caras do país. A média de mensalidade das dez escolas paulistanas mais bem colocadas no último ENEM é R$3.054. Parece impossível?  É o que alguns empreendedores estão fazendo pelo mundo.

Charter Schools Americanas

Essa história começa na década de 1990, quando surgem nos Estados Unidos as charter schools, escolas de parceria público-privada. Com um modelo diferente de governança, essas escolas são gratuitas para os alunos e o mantenedor é uma instituição privada, podendo esta ter ou não fins lucrativos. Esses mantenedores privados são remunerados pelo governo com base em métricas de qualidade e na quantidade de alunos matriculados, constituindo uma opção adicional para pais e alunos na hora de escolher a instituição de ensino.

Com regras menos rígidas de gestão, essas escolas têm o dever de entregar resultados pedagógicos, conforme medido pelos exames governamentais. E com a gestão livre e as métricas pedagógicas, começou-se a criar um ambiente de inovação ímpar nos modelos de escola. Por um lado, as receitas dadas às escolas dependem das restrições orçamentárias do governo. Por outro lado, as expectativas de aprendizado também seriam definidas pelo governo. O que acontece entre a entrega do aprendizado e o orçamento da escola seria uma equação equilibrada dos gestores: uma estrutura que garantisse a entrega pedagógica exigida, mas que conseguisse ser enxuta. Haveria uma possibilidade de inovar.

Sala de aula invertida

O modelo de escola tradicional tem algumas figuras e atividades icônicas, que vêm à cabeça de todos nós. A professora, com o giz na mão e o livro na mesa, expondo a matéria para a turma, enquanto em torno de 30 alunos da turma ficam sentados, quietos, passivos, prestando atenção e copiando a matéria da lousa, eventualmente fazendo perguntas. Em casa, as “lições de casa” servem para fixar a matéria vista na sala de aula. Eu mesmo estudei numa escola assim, e há grandes chances de você também ter estudado numa dessas escolas. E em um formato mais ou menos semelhante, nossos pais, nossos avós e tantas outras gerações antes de nós aprenderam nesse formato. O formato tradicional – ainda que entregue bons resultados em determinados caso – não é o único possível.

Na mesma época em que nasceram as charter schools, na década de 1990, a humanidade entrou em novo ciclo de revolução tecnológica que mudou a forma como lidamos com muitas questões da nossa vida. Hoje a maioria de nós não se imagina vivendo sem um smartphone ou um acesso ao computador – por exemplo, segundo estudo da Deloitte, 80% dos brasileiros já têm um smartphone. As rotinas e os hábitos se transformaram profundamente nas últimas décadas. E essas mudanças provocadas pelas inovações tecnológicas acabaram mudando inclusive as escolas.

Algumas charter schools inovaram para trazer as novas tecnologias digitais ao ambiente de ensino-aprendizagem. Os alunos começaram a receber os conteúdos expositivos em plataformas tecnológicas, como computadores e tablets. Afinal de contas, o momento de exposição de conteúdo, quando puramente passivo, no qual a professora expõe e os alunos copiam, é um momento que exige pouca interação aluno-professor. É possível fazer uma aula excepcional e interativa, com todo o conteúdo apresentado para todos os alunos. E a sala de aula, sem o caráter expositivo, transforma-se em um ambiente de atividades, trabalhos em grupos e resolução de exercícios, com o intuito de fixar conteúdos, contando sempre com o suporte dos professores nessa fase. A esse modelo, que altera a lógica do modelo tradicional de escola, convencionou-se chamar sala de aula invertida. O aluno aprende o conteúdo de forma individual e realiza atividades e exercícios com o professor e a turma.

Essa incorporação de tecnologia na sala de aula abriu um novo mundo: o uso dos dados. As tecnologias conseguem gerar dados pedagógicos de forma quase instantânea, processo que numa escola tradicional demandaria que o professor corrigisse os materiais, compilasse os dados em uma planilha em um processo demasiadamente demorado. Com essa economia de tempo, onde o professor não gasta seus escassos recursos de tempo no trabalho de gerar dados. Assim, ele pode focar em algo muito mais valioso: analisar os dados que mostram as evidências de aprendizado. Com dados em mãos é possível, por exemplo, analisar a eficácia de uma aula virtual baseado na performance dos alunos nos exercícios referente àquela aula. Assim, só é necessário reformular os conteúdos que não trazem resultados. Cria-se, dessa forma, conteúdos consistentemente melhores para o aprendizado dos alunos que garantem um processo de aprendizado com equidade para todos.

O formato de ensino invertido, aliado ao uso de evidências de aprendizado foi, com o passar dos anos, sendo sofisticado. Surgiram métodos individualizados de ensino, em que o aluno recebe uma trilha única de aprendizado, modelada para suas necessidades específicas.

Vamos supor, por exemplo, que um aluno, ao final do primeiro mês de aula, aprendeu com maestria as primeiras aulas de matemática, mas teve dificuldades em uma aula do final do mês. É possível colocar, apenas para este aluno, um conteúdo especial de revisão dessa aula. E, para outro aluno, que teve dificuldade em outro ponto da matéria, um conteúdo especial para ele. Afinal de contas, a exposição de conteúdos é feita em tablets ou computadores individuais. Ou exemplo para ilustrar: um aluno que tem maior aptidão e interesse por matérias de exatas pode receber no seu planejamento conteúdos específicos para suas aptidões.

É um formato novo, onde o aluno é exposto aos conteúdos mais relevantes para ele, seja por defasagens que ele apresentou seja por conteúdos que despertam maior interesse. Em algumas escolas de flex rotation, na sala de aula, o aluno recebe uma lista de estações nas quais pode estudar, por exemplo em uma estação ocorre um jogo de matemática, em outra um trabalho em grupo sobre história, em outra revisão de exercícios etc. Esse formato trata cirurgicamente déficits de aprendizagem e proporciona maior flexibilidade e interesse para os alunos.

Novo modelo de gestão de escolas privadas

Essas economias de custo permitem, na prática, ganhos para todos. Nas Spark Schools, na África do Sul, por exemplo, a equipe administrativa e os professores têm salários até 70% mais elevados do que os salários comparáveis no mercado. Para os pais, as mensalidades custam em torno de US$165 (R$515) e os alunos de lá superam os pares de outras escolas, em média, em 1,5 anos de escolaridade, sendo que essa distância aumenta quanto mais tempo os alunos permanecem na escola. Portanto, os benefícios se estendem a mantenedores, professores, equipe administrativa, pais e alunos.

Assim como a Spark School, modelos similares de gestão começam a surgir. Alguns exemplos são a Pioneer Academies, também na África do Sul ou a Euroschool na Índia. Na América Latina há um projeto recente no Peru, as Innova Schools. Escolas que utilizem tecnologia e modelos inovadores de gestão, com alta qualidade pedagógica.

Diferentemente das charter schools americanas, que contam com recursos públicos, a estrutura dessas escolas privadas deve ser enxuta. É condição necessária para a sustentabilidade do modelo de negócios. Por isso, nota-se que se organizam em redes, com escritórios que centralizam diversos serviços compartilhados, gerando ganhos de escala. A centralização de funções é tamanha que nas Spark Schools, por exemplo, cada escola tem apenas quatro funcionários que não são professores.

Um exemplo que leva essa metodologia para outro patamar são as Bridge International Academies. Essa rede, que começou em 2008, hoje conta com mais de 500 escolas espalhadas pela África e Índia, nas quais estudam diariamente mais de 100.000 alunos. O projeto conta com um hub em Cambridge-EUA que centraliza os dados pedagógicos dos alunos e coordena o processo de ensino-aprendizagem. A rede, que tem mensalidades inferiores a US$10 por mês, tem altas ambições em número de unidades e de alunos, com objetivos de atingir nada menos que 10 milhões de alunos na próxima década. Enquanto não atinge a escala necessária, ainda apresenta resultados financeiros negativos. Mesmo assim, o grupo conta com apoiadores de peso como Bill Gates e Mark Zuckerberg.

Para onde vamos

Segundo dados divulgados recentemente pela OCDE, o Brasil gasta US$3.8k por aluno da rede pública por ano para os primeiros anos do ensino fundamental por ano. Esse valor é o dobro do que custa a anuidade na escola Spark (US$1.9k) e bem mais alto do que na Pioneer Academies (US$2.5k). Existem organizações que estão gastando muito menos do que o Estado brasileiro, com resultados educacionais expressivos. Logicamente uma comparação dessas deve ser feita com cautela, pois países diferentes têm diferenças no mercado de trabalho e nas expectativas de aprendizado, além do idioma que muitos países de língua inglesa conseguem aproveitar conteúdos globais. Mesmo assim, essas escolas estão mostrando formas novas e revolucionando a educação em vários lugares do mundo, entregando educação de qualidade com eficiência.

Entretanto, é importante lembrar que, para uma escola, não existe receita infalível. Existem muitas formas de conduzir o processo de ensino-aprendizagem que conseguem resultados profundos consistentemente. São quase infinitas as variáveis envolvidas nesse processo de ensino-aprendizagem, e um bom modelo pedagógico e um de gestão adereçam muitas, mas não todas essas variáveis.

Mesmo assim, esses modelos trazem um fôlego de inovação e novas possibilidades para se trilhar em prol de melhor educação em diversos níveis.

 

* Tomás da Nóbrega é bacharel em Economia pela FEA-USP e analista na Somos Educação.