* – Artigo originalmente publicado no relatório De Olho nas Metas 2015-2016, do movimento Todos Pela Educação.

Claudio Riyudi Tanno
Engenheiro, especialista em Administração Pública e consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, com atuação no Núcleo de Educação, Cultura e Esporte.

Caio Callegari
Economista pela FEA-USP e coordenador de projetos do movimento Todos Pela Educação, atuando com maior enfoque nos temas de financiamento público da Educação Básica, políticas para a equidade educacional e potencialização da voz dos jovens.

 

Os movimentos finais da cena legislativa em 2016 trouxeram novos contornos ao arcabouço legal que rege o financiamento educacional público brasileiro. Em 15 de dezembro de 2016, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional (EC) nº 95, instituindo o “Novo Regime Fiscal”.

A emenda foi aprovada no Senado Federal por 53 votos a 16, após seis meses de intenso debate na sociedade. Defendida como ajuste fiscal necessário para trazer maior realismo e racionalidade às definições orçamentárias, criticada sobretudo por ameaçar direitos constitucionais e investimentos sociais, ela carrega em seu bojo regras que afetam diretamente os gastos do governo federal com a área da Educação. As mudanças trazem riscos para as políticas de desenvolvimento educacional, e é preciso pensar alternativas fiscais para esse quadro, considerando que o Brasil vem se distanciando da meta estipulada pelo Todos Pela Educação de aplicar ao menos 5% do Produto Interno Bruto (PIB) na Educação Básica pública.

Fonte: Inep/MEC.

As mudanças relativas à EC nº 95

Em primeiro lugar, a EC nº 95 estabelece, ao longo dos próximos 20 anos, um limite anual para as despesas primárias totais dos poderes federais (Executivo, Legislativo e Judiciário)¹. Só se poderá gastar por ano o valor da despesa do ano anterior, ajustado pela inflação do período, como prevê o inciso II do § 1º do novo artigo 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Assim, a somatória das despesas (da qual faz parte o orçamento da Educação) ficará congelada em termos reais.

Além de estabelecer o teto por 20 anos, a EC nº 95 reformula as vinculações orçamentárias mínimas para as pastas da Saúde e da Educação. O caput do artigo 212 da Constituição determina que, anualmente, a União tenha em despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino no mínimo 18% da receita líquida de impostos (RLI, receita de impostos deduzida de transferências constitucionais a estados e municípios).

Agora, com o novo artigo 110 do ADCT, o mínimo deixa de ser definido como parcela da RLI e passa a ser reajustado ano a ano pela inflação – a partir de 2018, tomando-se como base a aplicação de 18% de impostos apurada em 2017:

Art. 110. Na vigência do Novo Regime Fiscal, as aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino equivalerão:
I – no exercício de 2017, às aplicações mínimas calculadas nos termos do inciso I do § 2º do art. 198 e do caput do art. 212, da Constituição Federal; e
II – nos exercícios posteriores, aos valores calculados para as aplicações mínimas do exercício imediatamente anterior, corrigidos na forma estabelecida pelo inciso II do § 1º do art. 107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias².

Os efeitos previstos da EC nº 95 na Educação

Alguns defensores da mudança trazida pela EC nº 95 afirmam que, ao se vincular o mínimo constitucional à inflação, na realidade há um aumento da proteção ao setor. Isso seria verdade se fosse tomado como referência que a inflação foi maior que o avanço da receita de impostos da União em 2014, 2015 e 2016.

Contudo, de acordo com a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Conof/CD), o crescimento da RLI deverá ser superior à inflação já em 2017 e assim continuará ao longo do prazo estabelecido pela emenda. Portanto, a previsão é que, nesse período, o mínimo de investimento em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE, categoria definida pelo artigo 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/1996) seja inferior ao que seria sob a regra anterior. Segundo a projeção da Conof/CD, em 2025 a redução desse limite mínimo seria de R$ 13,6 bilhões (R$ 9,0 bilhões em valores de 2017). Com a projeção de redução do mínimo sob as novas regras, o efeito será de maior margem para cortes de recursos para a Educação.

Fonte: Conof/CD e IBGE. Elaboração: Todos Pela Educação.

É preciso explicitar que o limite mínimo para a Educação diz respeito apenas às aplicações de impostos em despesas com MDE. A EC nº 95, considerando a correção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), preserva apenas a aplicação correspondente a 18% da RLI, a ser apurada em 2017. Ocorre que, diferentemente do piso da Saúde, o mínimo da Educação refere-se só a uma parcela das dotações necessárias para a execução das políticas educacionais vigentes.

De acordo com o Estudo Técnico nº 1/2017 da Conof/CD, nos termos das dotações constantes da Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2017, desconsideradas as despesas de inativos dos respectivos ministérios, o piso para o Ministério da Educação (MEC) corresponde a 55,6% de suas despesas totais, enquanto para o Ministério da Saúde equivale a 98,3%. Apesar de o piso da Educação estar estimado em R$ 52,2 bilhões, as aplicações totais em MDE, consideradas todas as fontes, somam R$ 85,7 bilhões, ou seja, o piso representa 60,9% das aplicações totais. Em outra perspectiva, ações voltadas para a Educação vão além daquelas de MDE. O orçamento da Educação a ser executado pela União em 2017 pode ser apurado pelo conjunto das ações agrupadas na tabela a seguir.

É possível perceber que o mínimo constitucional não garante recursos suficientes para o desenvolvimento dos investimentos federais em Educação. O mínimo constitucional representa, em uma estimativa para 2017, apenas 40% das despesas totais destinadas à Educação. Isso pode significar um risco quando se consideram a dinâmica de funcionamento do teto de gastos federais e o cenário político brasileiro.

Conforme já assinalado, o teto de gastos corrigido pela inflação não se aplica individualmente à Educação, mas ao somatório de todas as áreas orçamentárias. Nesse sentido, uma ampliação de recursos acima da inflação para determinada pasta incorrerá em um orçamento reajustado abaixo da inflação no conjunto dos outros setores.

Como vem ocorrendo nos últimos anos, a Previdência Social terá orçamento reajustado anualmente acima da inflação, devido ao crescente número de aposentadorias e da regra de reajuste dos benefícios previdenciários, com aumento real do salário mínimo. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 287/2016, que propõe alterações nas regras previdenciárias que incorrerão em reduções de despesas dessa área do governo, ainda não conta com cenário favorável para aprovação no Congresso. Mesmo que o seja, o impacto nas contas públicas será lento e não deverá mudar o quadro em que o orçamento da Previdência Social crescerá acima da inflação nos próximos anos.

Dessa maneira, a soma dos demais orçamentos, incluindo o da Educação, terá de ser ajustada em percentual abaixo da inflação. Isso não quer dizer que a Educação necessariamente sofrerá perdas reais, uma vez que os gastos sociais poderão ser preservados diante de outras despesas do governo – o que exigirá intensas negociações políticas no Poder Executivo e no Congresso anualmente no momento da edição dos orçamentos. Também há a possibilidade de que os gastos em políticas sociais sejam reduzidos se a pressão de diferentes áreas for mais forte.

Outras despesas obrigatórias devem impactar ainda mais o orçamento limitado pelo teto global de gastos, a exemplo das de pessoal ativo da União, sujeito a crescimento vegetativo da folha de remunerações e a reajustes concedidos em 2016, que repercutirão nos próximos exercícios financeiros. Consequentemente, as demais despesas, ditas de natureza discricionária, em especial investimentos e custeio dos estabelecimentos de ensino em todos os níveis, terão de ser comprimidas.

Na ótica do Congresso, no primeiro ano de elaboração da peça orçamentária já nos termos propostos pela EC nº 95/2016, os prognósticos não são animadores. Conforme levantamento realizado pela Conof/CD, o acréscimo de dotações orçamentárias na LOA 2017 durante tramitação no Congresso Nacional direcionou-se sobretudo para as pastas de Integração Nacional (R$ 3,2 bilhões, +110,2%), das Cidades (R$ 3,2 bilhões, +28,6%) e dos Transportes, Portos e Aviação Civil (R$ 2,4 bilhões, +16,9%).

Observa-se, assim, a dificuldade em priorizar uma área que representa quase 25% das dotações remanejáveis, as quais ano a ano sofrem crescente compressão devido ao incremento das despesas obrigatórias. Na comparação dos orçamentos aprovados em 2016 e 2017, verifica-se expressiva redução nas programações consolidadas dos grupos de investimentos e custeio, em termos nominais, no âmbito do MEC (-5,3%), vis-à-vis os demais órgãos do Poder Executivo (+24,0%), conforme aponta a Nota Técnica nº 2/2017 da Conof/CD.

Mesmo que a área da Educação conquiste um reajuste orçamentário equivalente à inflação, sem perdas reais, o resultado poderá ser bastante grave para as políticas educacionais, como mostra o estudo realizado pelo movimento Todos Pela Educação em 2016:

Tomando como base as projeções feitas pela Conof/CD e calculando-se prospectivamente um dos cenários possíveis (inflação na meta de 4,5% e mesma trajetória de crescimento das receitas projetada pela Conof/CD), o reajuste apenas pela inflação levaria ao valor de R$ 105 bilhões como investimento máximo em MDE pelo governo federal em 2028. Nesse mesmo ano, se mantida a regra atual [pré-aprovação da EC nº 95] de aplicação mínima de 18% das receitas líquidas de impostos, o investimento mínimo seria da ordem de R$ 108,5 bilhões.

Ou seja, a PEC 241/55 [aprovada como EC nº 95] levaria, nesse cenário, ao estabelecimento de um máximo de investimento abaixo do que hoje é o mínimo – já considerado insuficiente. Nessa projeção, em 2036 (último ano de vigência da PEC), o governo federal estaria investindo no máximo 11,8% das receitas líquidas de impostos em MDE – e no mínimo 9,3%. Frente à regra atual de vinculação mínima de 18%, a perda seria de pelo menos R$ 77,9 bilhões em 2036. No agregado de 2028 a 2036, a perda seria de pelo menos R$ 302,2 bilhões.

Fonte: Conof/CD e IBGE. Elaboração: Todos Pela Educação.

As perspectivas para reversão do quadro de risco

A perda potencial de recursos para a Educação mesmo em um cenário de reajuste pela inflação traz um sério risco para as perspectivas de avanço da Educação brasileira – algo essencial para que o País atinja um elevado e sustentado nível de desenvolvimento socioeconômico. Por certo, o progresso educacional deve contar com melhor gestão dos investimentos, permitindo que cada real aplicado na Educação tenha uma capacidade mais elevada de se traduzir em aprendizagens para nossas crianças e jovens. No entanto, também são necessários mais recursos para garantir condições qualificadas de oferta de ensino.

Na comparação internacional, a média de investimento por aluno dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nos países membros da OCDE é 156,7% maior que o indicador brasileiro. Investir mais em Educação é uma demanda da sociedade definida em lei pelo Plano Nacional de Educação (PNE, Lei nº 13.005/2014) para que metas de progressão
educacional sejam cumpridas, como a universalização da Educação Básica. Em 2015, ainda eram 2,5 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos fora da escola. Mais recursos também seriam necessários para, por exemplo, garantir maior atratividade à carreira do magistério – em 2015, a remuneração média dos professores da rede pública da Educação Básica com formação superior era apenas a metade da média dos demais profissionais com mesmo nível de formação.

Esse imperioso incremento de recursos para a área da Educação, principalmente para a Educação Básica, centra-se sobretudo na expectativa de expansão da contribuição financeira do governo federal, no exercício constitucional de sua ação supletiva e redistributiva. A União contribui com apenas 18% do financiamento da Educação pública, ante uma arrecadação de cerca de 70% dos impostos, sendo, portanto, o ente da federação com maior potencial de esforço fiscal. Contudo, são justamente os investimentos educacionais da União que estão pressionados pela EC nº 95.

Há, no entanto, uma brecha para que o governo federal amplie seus aportes de recursos fiscais na Educação. Essa brecha está inscrita na própria EC nº 95, especificamente no § 6º do novo artigo 107, que dispõe sobre as exceções à aplicação do teto (ou das despesas que estão fora do limite de reajuste). Estão excluídas do limite global de gastos as transferências constitucionais de receitas tributárias para estados, Distrito Federal e municípios (art. 159 da Constituição), as da cota-parte do salário-educação (art. 212, § 6º) e as decorrentes da exploração de petróleo e gás natural (art. 20, § 1º). Trata-se de recursos tributários que transitam no orçamento da União, mas que são de usufruto dos demais entes federados. Além disso, também ficam excetuadas do teto as despesas da União com a complementação do Fundo de Manutenção e desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), definidas pelos incisos V e VII do caput do artigo 60 do ADCT. Essa é a brecha para que a União amplie seus investimentos no desenvolvimento da Educação Básica pública, sem restrições quanto ao teto de gastos, como sugere o Estudo Técnico nº 1/2017 da Conof/CD.

O texto da EC nº 95, de maneira implícita e potencial, permite unicamente a priorização da área educacional. Dentre as despesas da União, apenas a complementação de recursos ao Fundeb possui valor mínimo e, assim, pode ser acrescida sem que se submeta ao teto global de gastos.

Considerações sobre a complementação da União ao Fundeb

De acordo com o artigo 60 do ADCT, a complementação da União no escopo do Fundeb deverá ser suficiente para que todos os fundos estaduais que o compõem alcancem o valor mínimo aluno/ano estabelecido anualmente para todo o País em portaria interministerial. Também nunca poderá ser inferior a 10% da soma dos recursos que constituem o Fundeb. Essa complementação sempre se ateve ao patamar mínimo (com o valor mínimo aluno/ano definido contabilmente com esse fim), tendo atingido R$ 13 bilhões em 2017, menor valor em termos reais da série histórica. Do total, 90% deverão ser redistribuídos para os fundos estaduais com menores valores aluno/ano no Fundeb (hoje, nove estados recebem complementação), seguindo a regra do artigo 4º da Lei nº 11.494/2007. Os 10% restantes poderão ser destinados tanto para esses mesmos fundos estaduais por meio de programas direcionados para a melhoria da qualidade da Educação Básica (a critério de uma Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade, conforme explicitado no artigo 7º da Lei nº 11.494) como para projetos em regime de colaboração ou em consórcios municipais, considerando os planos locais de Educação, o esforço fiscal dos entes federados e os esforços de melhoria da aprendizagem, do fluxo escolar e da formação de professores.

[Os recursos referentes a essa parcela de 10% são destinados exclusivamente à complementação ao Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério Público – PSPN, instituído pela Lei nº 11.738/2008- nas Unidades da Federação já beneficiadas pelo restante da complementação da União]

Os preceitos que regem a distribuição da complementação da União são a equidade (90% direcionados para “dar mais a quem tem menos”) e os esforços locais para a qualidade e melhoria da governança das responsabilidades (no escopo dos 10% restantes) e, assim, possuem elevado efeito redistributivo, equalizando aplicações mínimas nas unidades da federação mais pobres. Portanto, utilizar essa rubrica para expandir os investimentos da União na Educação Básica é algo desejável, não incorrendo em improbidade administrativa pela não observação da EC nº 95 e descentralizando recursos sob critérios positivos que induzem avanços na qualidade e na equidade educacional.

A atual complementação logra reduzir, por exemplo, 65% da distância entre Maranhão e São Paulo em termos de valor repassado por ano para cada estudante da rede pública na lógica do Fundeb. Contudo, muitos especialistas em Educação a consideram tímida para amenizar suficientemente as distorções de financiamento educacional do País, como revela o gráfico a seguir, extraído do relatório final do Grupo de Trabalho sobre o Custo Aluno-Qualidade (GT-CAQ), coordenado pela Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase/MEC).

O relatório do GT-CAQ traz ainda uma crítica conceitual ao mecanismo de complementação do Fundeb que é de alta relevância quando se passa a tratá-la como opção fiscal no contexto da EC nº 95. Uma vez que o Fundeb não abarca todas as fontes tributárias dos estados e municípios, a redistribuição de recursos e a definição dos valores aluno/ano não levam em conta importantes receitas tributárias de alguns entes federados, como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITBI). Assim, redes de ensino com altos valores aluno/ano reais (ao considerar a totalidade de recursos à disposição) recebem complementação, ao passo que municípios muito pobres de estados não complementados (como Minas Gerais) têm valor aluno/ano muito próximo do mínimo nacional, abaixo de R$ 3 mil por ano. Isso traz à luz o imperativo de reformulações positivas nas regras do Fundeb que evitem desigualdades não corrigidas e, em alguns casos, até aprofundadas pela complementação.

Na perspectiva do PNE, o acréscimo de recursos de complementação da União ao Fundeb ajusta-se à necessidade de implantação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi). Este, referenciado no conjunto de padrões mínimos estabelecidos na legislação educacional, deveria ocorrer até 2016, com financiamento calculado com base nos insumos indispensáveis ao processo educacional e reajuste progressivo até a implementação plena do CAQ (estratégia 20.6). O PNE estabelece, ainda, que cabe à União a complementação de recursos financeiros a todos os estados, ao Distrito Federal e aos municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQi e, posteriormente, do CAQ (estratégia 20.10).

Possibilidades de reformulação do Fundeb e alternativa fiscal para a EC nº 95

Em tramitação no Congresso, a PEC nº 15/2015 visa tornar o Fundeb um instrumento redistributivo permanente (hoje ele é instituído apenas como disposição constitucional transitória com vigência até 2020). Essa é uma oportunidade para aprimoramentos nas regras de funcionamento do fundo. A PEC prevê a perenização do Fundeb tal qual sua configuração atual, dada pela Lei nº 11.494/2007³. Contudo, a inserção de aprimoramentos tem sido defendida por especialistas dos diversos campos de atuação educacional nas audiências públicas organizadas pela Comissão Especial da Câmara (Cesp) que analisa a PEC. Uma das possibilidades levantadas é que se amplie, por lei, o percentual de complementação da União ao Fundeb. Também há propostas de que o mínimo passe de 10% para 15%, 16%, 20%, 25% ou 50% dos recursos somados dos fundos estaduais (o último percentual, inclusive, é o indicado por outra PEC, a nº 17/2017, apresentada em maio no Senado Federal).

Essas propostas não alteram, porém, a lógica de redistribuição; apenas fazem com que a complementação chegue a mais fundos estaduais, além de elevar o valor mínimo aluno/ano, equalizando-o nas unidades da federação que receberiam a complementação. Elas ampliam o potencial de geração de equidade do Fundeb por meio do papel supletivo da União e seu efeito redistributivo, mas não chegam a corrigir as distorções do sistema de financiamento, tampouco induzem com portamentos adequados de gestão pelas redes de ensino.

Considerando a complementação do Fundeb como alternativa para o progresso da Educação no contexto da EC nº 95, é impreterível aprimorar o modelo atual para que impulsione, de fato, a qualidade educacional com equidade e efetividade na Educação Básica. Ainda assim, o acréscimo de recursos destinados à complementação para além dos 10% mínimos é uma possibilidade imediata, que pode ajudar no enfrentamento das carências educacionais existentes. Nessa perspectiva, a Cesp poderia refletir sobre qual seria a nova regulamentação do Fundeb (estabelecida não como emenda constitucional, mas como lei ordinária posterior) de forma a garantir a contribuição adequada do governo federal para o desenvolvimento educacional.

São fundamentais, nesse sentido, instrumentos de apoio financeiro da União aos governos locais para que erradiquem situações críticas de oferta, avancem na qualidade do ensino e façam uso eficiente dos recursos. Esses instrumentos, vinculados legalmente à complementação da União ao Fundeb, podem envolver maior controle social dos fundos, distribuição de recursos da União por meio de mecanismos de incentivo à qualidade e à equidade, reestruturação de fatores de ponderação do Fundeb de acordo com padrões reais de insumos e verificação de localidades nas quais o aporte é mais urgente. Tais aprimoramentos, direta ou indiretamente, contribuiriam para a plena implantação do CAQ, ainda a ser formulado e definido.

No seio da reflexão, é importante realizar uma etapa de simulação e estudos de impacto dos diferentes cenários sugeridos, como pressuposto para uma implementação exitosa de mudanças que não tenha como efeito a regressão das condições educacionais em nenhuma localidade. Isso contempla, também, a averiguação de quais fontes de recursos permitiriam a expansão de aportes financeiros na Educação. Com a perspectiva de redistribuição de recursos alicerçada nos necessários avanços da Educação e de apropriado planejamento das mudanças, o acréscimo na complementação da União se fortalece como a alternativa fiscal de investimento – principalmente no caso de retomada de crescimento econômico – no contexto dos riscos trazidos pela EC nº 95.

 

Notas

¹ “Art. 107. Ficam estabelecidos, para cada exercício, limites individualizados para as despesas
primárias:
I – do Poder Executivo;
II – do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional de Justiça, da Justiça do Trabalho, da Justiça Federal, da Justiça Militar da União, da Justiça Eleitoral e da Justiça do Distrito Federal e Territórios, no âmbito do Poder Judiciário;
III – do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, no âmbito do Poder Legislativo;
IV – do Ministério Público da União e do Conselho Nacional do Ministério Público; e
V – da Defensoria Pública da União.”

² “Variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.

³ A PEC nº 15/2015 prevê algumas mudanças em relação ao funcionamento do Fundeb: a opção aos entes federados, no âmbito de sua autonomia, de incluir na conta do Fundeb os recursos provenientes da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural; e a possibilidade de os recursos do Fundeb serem utilizados com despesas que não são tipicamente de MDE, uma vez que a restrição do artigo 21 da Lei nº 11.494/2007 não aparece no teor da PEC.