À época do debate do teto de gastos federais, durante o segundo semestre de 2016, o movimentos sociais ligados à área da Educação foram enfáticos ao apontar os riscos da então PEC nº 241/2016, cujo texto foi aprovado nos termos da Emenda Constitucional nº 95/2016, para a educação nacional. A EC nº 95/2016 não sentenciou o retrocesso educacional, mas a inclusão da educação no teto global de despesas a colocou em um cabo de guerra que não é compatível com a sua importância estratégica para o futuro do país. Ficou claro, naquele momento, que seria necessário um hercúleo esforço conjunto das entidades nacionais comprometidas com a educação e do poder público para pelo menos preservar as nossas políticas educacionais. E, ainda, um maior esforço para garantir a concretização do Plano Nacional de educação (PNE).

Alguns episódios recentes fizeram soar o alerta. Na entrada do quarto mês de 2017, o governo federal anunciou um corte de R$ 4,3 bilhões no orçamento da educação, o terceiro maior corte em termos nominais entre todas as pastas. Isso significou uma redução de, aproximadamente, 12% no montante de recursos disponíveis para despesas não obrigatórias do Ministério da educação. No fim de junho, mais uma vez ficou evidente a posição frágil da educação na balança orçamentária.

Pressionado pela dificuldade financeira da Polícia Federal, o governo propôs transferir R$ 102,3 milhões do Ministério da educação para normalizar a emissão de passaportes, que estava suspensa por falta de recursos. Esse montante estava previsto, entre outras coisas, para ações de formação inicial e continuada de professores da educação básica, pedra angular do desenvolvimento educacional brasileiro. O peso simbólico de colocar a educação, como a primeira carne a ser cortada, em um ajuste fiscal, motivou a Comissão de Orçamento do Congresso a pedir para que os recursos fossem retirados de outra fonte, o que felizmente foi acatado. Mais recentemente, outro episódio trouxe à tona a preocupação com o descompromisso com o avanço da nossa educação. Ao sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2018, o governo federal vetou o artigo 21 incluído pelo Congresso Nacional, que determinava que a alocação de recursos na área da educação teria como norte o cumprimento das metas do PNE.

A LDO serve de diretriz para a Lei Orçamentária Anual (LOA) e de termômetro sobre as prioridades do governo para o próximo ano. Com o veto, o Governo Federal sinalizou que seus objetivos orçamentários não estariam em concordância com o PNE, leitura reforçada pela justificativa dada para a anulação do Artigo 21: a medida comprometeria o arbítrio do Executivo na determinação de prioridades para as suas despesas discricionárias.

Nesse ponto, é preciso atentar que o PNE é uma referência fundamental do que precisa ser alcançado para reduzirmos o déficit educacional do país, cujo texto foi construído democraticamente pelo conjunto da sociedade brasileira ao longo de 4
anos, servindo como guia para a construção das políticas nacionais e locais. Ainda que não seja a posição e a intenção do Governo, o veto na LDO acaba por simbolizar duas questões perigosas: primeiro, que o PNE corre o risco de deixar de ser a bússola das políticas educacionais brasileiras e, assim, ser descaracterizado como política de Estado; segundo, que as políticas indispensáveis para o cumprimento das metas e estratégias preconizadas pelo PNE poderão não ter o espaço
orçamentário necessário para serem tiradas do papel.

Não há como negar que o país precisa fazer um ajuste em suas contas públicas, mas é preciso realizar um ajuste qualificado, que não leve a um desenvolvimento franzino. Governar é fazer escolhas, estabelecer prioridades. E a construção ininterrupta da Educação de qualidade não pode deixar de ser uma delas, uma vez que está no centro de qualquer projeto robusto de desenvolvimento social e econômico de longo prazo.

O Governo Federal ainda pode firmar um compromisso mais sólido com a Educação que o Brasil precisa, cujos maiores desafios têm suas soluções já previstas no PNE. Poderá fazê-lo através da LOA de 2018, contemplando o PNE como norte de investimento estratégico da União e garantindo recursos para as ações necessárias. A LOA decretará quais serão as fontes e para onde irão os recursos da União no próximo ano.

Ainda temos tempo para isso. A LOA deve ser votada no Congresso Nacional até 22 de dezembro. Para que a Educação não esteja à mercê das intempéries econômicas e fiscais, é fundamental reivindicar que a área esteja vinculada a fontes de financiamento permanentes, sustentáveis e bem geridas, de modo que a Educação seja efetivada como uma política de Estado e não mais de governos. Esse é um compromisso que precisamos consolidar urgentemente.

* Texto publicado originalmente no Correio Braziliense, em 15/10/2017.

 

» Priscila Cruz – Fundadora e presidente executiva do Movimento Todos pela Educação e mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School

» CAIO CALLEGARI – Coordenador de projetos do Todos pela Educação e economista pela FEA-USP