Grupo de produção do Documentário “Professor, Por quê?”*

Gabriela Thomazinho, Cecilia Zahran, Jackeline Dias, Guilherme Proença, Claudio Mello, Ananda Chaves

 

Atualmente, a questão da remuneração dos professores está no centro do debate sobre a melhoria da educação. O Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014-2024 torna explícita essa preocupação na sua meta 17, referente à valorização do docente:
“Valorizar os(as) profissionais do magistério das redes públicas da Educação Básica, a fim de equiparar o rendimento médio dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do 6º ano da vigência deste PNE.”

A remuneração do professor como forma de valorização é essencial para atrair bons estudantes do Ensino Médio para a carreira do magistério. Neste artigo abordamos a questão de quanto ganham, no Brasil, os professores da educação básica frente aos profissionais de outras áreas. Esta questão é importante principalmente para avaliar a atratividade da carreira, afinal os ingressantes nela a escolhem em detrimento de outras e, portanto, consideram suas possibilidades salariais em relação às outras carreiras. Mas também é importante pois influencia na decisão de continuar na carreira quando um professor pode optar por sair dela e atuar em outra área.

Mas afinal, como definir o que é um salário atrativo para um professor? Uma alternativa é olhar para o custo de oportunidade da escolha dessa profissão, ou seja, analisar qual seria a remuneração em outra carreira. Para isso é necessário realizar uma comparação com um grupo de controle, isto é, um grupo que tem características semelhantes, como escolaridade e idade, porém não atua como docente.

Primeiramente é necessário dizer que existem múltiplas metodologias para o cálculo da remuneração e tais metodologias podem trazer resultados bastante diferentes. Por exemplo, Márcia Jacomini, Thiago Alves e Rubens Camargo  apontam que faz diferença para o cálculo de remuneração por hora de trabalho, se é ou não considerada a jornada realizada pelo docente fora de classe, para preparação de aula e acompanhamento dos alunos. Portanto, uma metodologia que ignora essa jornada extraclasse, considera que os professores têm menos tempo de trabalho e, portanto, uma remuneração hora-aula mais alta.

Porém, como aponta José Marcelino Pinto, pela Lei do Piso, pelo menos um terço do tempo do professor deve ser reservado para essa parte do trabalho. O autor também indica que alguns estudos consideram que o professor tem três meses de férias, mesmo que muitas vezes, nesse longo período de férias escolares, os professores trabalham com planejamento, recuperação e formação continuada. Alguns argumentam que essas horas não deveriam ser remuneradas porque os professores acabam não reservando esse tempo extra para planejamento e formação. Pinto aponta que esse é um ciclo vicioso, pois quando o professor tem remuneração muito baixa, de fato ele vai querer complementar a renda utilizando essas horas para exercer alguma outra atividade remunerada como professor ou em outro cargo.

Gabriela Moriconi e Nelson Marconi também analisaram em artigo de 2008 a atratividade da carreira na rede pública frente a outras possíveis ocupações profissionais ao longo do tempo, a partir de dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs) de 1995 a 2006. Os autores comparam o salário dos docentes da rede pública do ensino básico com outros grupos profissionais, controlando pela escolaridade. Profissionais de outras ocupações do setor público, professores do setor privado e demais ocupações do setor privado são os grupos analisados. Como resultado para o período analisado, os autores encontram que professores da rede pública com curso superior completo recebem menos do que os profissionais das outras ocupações analisadas com a mesma escolaridade. Já professores da rede pública com formação de nível médio ganham mais ou praticamente o mesmo valor que os outros profissionais dos grupos de comparação.

Porém, ao analisar os diferenciais ano a ano, os autores encontram que o custo de oportunidade diminuiu ao longo do período, o que significa que a carreira docente ficou mais atrativa em termos salariais durante o período analisado. Moriconi e Marconi argumentam que, provavelmente, o aumento dos rendimentos dos professores da rede pública é consequência de políticas de valorização do magistério, como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), criado por Emenda Constitucional em 1996, que impôs um mínimo e tornou mais uniforme o gasto por aluno no ensino fundamental no Brasil. Em 2007, o programa foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), que expandiu as regras do FUNDEF para os ensinos infantil e médio, cobrindo portanto toda a educação básica.

Thiago Alves e Aline Sonobe , em uma pesquisa com dados mais recentes, analisam a remuneração média dos docentes da rede pública da educação básica, comparando-a com outros profissionais com ensino superior completo. A pesquisa foi desenvolvida com base nos microdados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2013. Os autores encontram que a remuneração média dos docentes era de R$ 3.576,00, enquanto que a dos demais profissionais era de R$ 5.227. A remuneração dos professores é equivalente, portanto, a 68% da remuneração dos profissionais com a mesma escolaridade.

Um dado interessante revelado pela pesquisa são os resultados por UF. Apenas no Pará e no Distrito Federal a remuneração dos seus docentes é maior do que a média nacional dos demais profissionais. Porém, no Distrito Federal, ela é menor do que a remuneração média dos demais profissionais locais. Assim sendo, somente no Pará a remuneração média dos professores é maior do que as remuneração média dos demais profissionais locais.

O Observatório do PNE traz dados ainda mais recentes do rendimento comparativo dos professores, mostrando que desde 2006 houve oscilações no rendimento, porém sem tendência clara de queda ou de aumento. O último valor disponibilizado refere-se a 2015, quando os docentes da rede pública da Educação Básica tinham rendimento de 52% em relação à média dos outros profissionais segundo a metodologia utilizada.

Portanto, no Brasil é significativa a diferença de rendimento dos professores em relação aos outros profissionais. Devemos nos questionar como é essa relação em outros países, principalmente naqueles com sistemas educacionais de referência. Segundo o Education at a Glance de 2017, elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a renda média dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental dos países da OCDE equivale a 78% da renda de profissionais com formação superior empregados em outras áreas. Essa porcentagem sobe para 88% e 94% entre professores dos anos finais dos Ensinos Fundamental e Ensino Médio, respectivamente.

Entrevistado pela Carta Educação quando esteve no Brasil em 2016, Lee Sing Kong, ex-diretor do Instituto Nacional de Educação de Cingapura e um dos gestores responsáveis pela reforma educacional do pequeno país asiático, afirma que para aumentar a qualidade dos professores é necessário atrair os melhores candidatos para a profissão. Cingapura obteve grandes melhorias no desempenho de seus estudantes após a reforma, Nesse sentido, um dos primeiros passos de uma política de valorização docente deve ser aumentar o salário do professor iniciante. Além disso, é importante ter espaço para a promoção na carreira.

A partir das referências citadas podemos dizer que, sim, no Brasil o professor é mal remunerado. E isso pode explicar parte do fracasso brasileiro em promover uma educação de qualidade para suas crianças e adolescentes. Portanto, valorizar a educação e as gerações futuras passa por aumentar o salário dos professores e tornar essa carreira mais atrativa para os estudantes saindo do Ensino Médio.

*O documentário Professor, Por quê? é uma iniciativa do grupo Econoeduc e está sendo produzido por um conjunto de profissionais e estudantes. Ele busca investigar questões da carreira docente e fazer um advocacy pela valorização do professor de rede pública, isso tudo colocando como protagonista a voz do professor. Este é o primeiro artigo publicado pela equipe de produção como resultado da fase de mapeamento da literatura de referência. Caso tenha interesse em colaborar com o projeto, escreva para doc-professor-econoeduc@googlegroups.com