Hoje, Dia da Educação, me peguei pensando logo pela manhã: como pode a Educação estar ainda distante de ser uma prioridade nacional?

Tem tanta pesquisa, tanta evidência mostrando a importância da aprendizagem – desde a primeira infância até o final da vida – para a emancipação humana, para o enfrentamento das desigualdades, para o desenvolvimento econômico, para o fortalecimento da democracia, para a melhoria da Saúde, para a eficiência das instituições públicas e privadas. A Educação muda tudo. Como pode darmos tão pouco valor, enquanto País, ao nosso desenvolvimento educacional?

Talvez seja porque fica a impressão de que a Educação demora a dar seus frutos e o nosso tempo é sempre urgente, com demandas e preocupações para agora. Sempre é possível justificar o adiamento do investimento no futuro. Daí que vem, me parece, a vitória do tempo dedicado ao trabalho na disputa com o tempo para os estudos. Essa pode ser a razão também das nossas estranhas decisões orçamentárias que por vezes deixam de escanteio a nossa Educação.

Me peguei pensando, então, no porquê eu me dedico à causa da Educação mesmo antes de saber de todas as evidências numéricas de seu impacto positivo. Certamente tem muito de inspiração dos meus pais, ambos educadores, e dos meus professores na Escola Vera Cruz e no Colégio Santa Cruz.

Mas eu vejo que a Educação passou a ter um valor muito mais intenso para mim quando tive a oportunidade de ensinar algo que fosse o embrião da autonomia e da independência para um desconhecido. Uma desconhecida, na verdade: a dona Severa.

Foi ali no começo de 2008 quando eu conheci a dona Severa em um trabalho voluntário que eu fazia em um projeto da Associação Cidade Escola Aprendiz. Toda semana eu ia até a sede do projeto Oldnet para dar aulas de informática básica para inclusão digital da terceira idade. Era difícil ensinar algo que nossa geração aprendeu quase que espontaneamente. Para a dona Severa, nada daquilo de computador fazia sentido algum e ela se sentia completamente limitada pelo desconhecimento.

As amigas da Severa já faziam tudo pela internet: e-mails para os netos, marcavam encontros com antigos conhecidos, procuravam por eventos culturais, informavam-se pelos portais de notícias. Mas a Severa não se sentia habilitada para navegar naquele mar de novidades.

Demorou um tempo para que eu entendesse que o problema maior da dona Severa era o mouse. O mouse não fazia sentido. Como mexer no mouse se traduzia num movimento na tela do computador e a levaria de um lugar ao outro do mundo? Os movimentos das suas mãos eram sempre erráticos e o “clique” nunca acontecia.

O caminho pedagógico da Severa foi longo e fez surgir entre a gente um laço de confiança. Ela me contava como se sentia insegura com os novos tempos, com os novos tipos de relacionamento. Tinha um receio gigante de nunca se adaptar. A Severa confiava em mim para que eu entrasse com ela em um universo novo. Estávamos de mãos dadas nessa trajetória – as mãos minhas e as dela sobre o mouse.

E quando ela compreendeu o mouse e aprendeu de forma enraizada a lógica virtual, a dona Severa mudou por completo. Ela conquistou autonomia e independência para, aos 80 anos de idade, não ter medo de seguir em frente num paradigma complementante diferente daquilo a que ela estava acostumada.

Nesse processo, eu entendi também a diferença que pode fazer a Educação no desenvolvimento de uma pessoa, em qualquer fase da vida. A Educação que eu vi se concretizar na prática mudou a Severa e me mudou por inteiro. E aí ficou claro para mim qual deve ser o nosso caminho de mudança social: se queremos uma sociedade de pessoas emancipadas, potentes, confiantes, precisamos de Educação contínua e valorizada. A Educação muda tudo.