Texto da coluna Desigualdades na Educação
Por Claudio Aliberti, Gabriela Thomazinho, Victória Martinez e Vitor Augusto.

A desigualdade educacional de muito tem sido importante fator do debate político, mas com a pandemia da COVID-19 ela emergiu como uma das principais questões. Diante deste fato, quatro integrantes do EconoEduc resolveram abordar mensalmente questões associadas à desigualdade educacional. Neste primeiro texto, apresentamos de forma introdutória como ela perpassa desde o nível macro as diferenças entre países até iniquidades entre regiões de um mesmo país.

A educação é considerada a principal ferramenta propulsora para o crescimento, o desenvolvimento e a superação das desigualdades em um país. Muitos de seus resultados são reflexos de dois fatores: os investimentos direcionados a ela e a distribuição igualitária destes recursos entre a sociedade. Contudo, é notório o desequilíbrio existente nestes fatores quando se considera o âmbito global: países se distinguem de forma acentuada na promoção de uma educação de qualidade.

Há uma conexão entre desigualdade educacional e desigualdade de renda: existe correlação alta entre os resultados em exames padronizados e situação socioeconômica das famílias (Portal IEDE) e países com desigualdade de renda mais elevada tendem a possuir parcela mais alta da população sem Ensino Médio completo (Education at a Glance, 2019). Uma das formas de se observar a desigualdade educacional é através do Programme for International Student Assessment (PISA), exame internacional padronizado que captura as habilidades dos alunos em três áreas: Leitura, Matemática e Ciências.

O PISA de 2015 deflagra a realidade latino-americana: aproximadamente 50% dos mexicanos, colombianos e brasileiros não têm as habilidades necessárias para resolver equações matemáticas simples, com América Latina e Caribe ocupando as posições inferiores do ranking. Por sua vez, o PISA de 2018 também mostra resultados relevantes: países desenvolvidos europeus e norte-americanos (além de Japão, Coréia do Sul e Austrália) exibem desempenhos acima da média global nas três áreas de proficiência, enquanto países da América Latina e Oriente Médio encontram-se, no geral, abaixo da média para as três áreas. No Brasil, a desigualdade é gritante: enquanto alunos de nível socioeconômico alto atingem pontuações acima de Suíça e Itália na prova de Leitura, estudantes pobres possuem médias semelhantes a países como Macedônia e Cazaquistão.

Dada esta realidade, e apesar de os componentes atuantes sobre níveis de desigualdade serem complexos e variados, é possível observar três principais componentes que impactam nesta desigualdade, sobretudo entre países desenvolvidos e países da América Latina: gasto total por aluno, razão aluno/professor e salário/valorização dos professores. Nações mais pobres tendem a gastar menos por estudante em comparação às nações mais ricas. Em 2016, o gasto por aluno era superior a US$15 mil para países como Áustria, Noruega, EUA e Luxemburgo e de US$3,6 mil para Colômbia e México, gastando o México a quantia de apenas 31% da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Além disso, os gastos cumulativos[1] diferenciam-se consideravelmente: Áustria, Islândia, Luxemburgo, Noruega, Suécia e EUA gastam mais de US$120 mil por aluno, enquanto Colômbia e Turquia gastam menos de US$50 mil.

A razão aluno/professor é uma medida de investimento na educação: quanto menor, maior é o indicativo da atenção oferecida ao aluno. Na educação básica, este indicador assume valores abaixo de 15 na maioria dos países desenvolvidos e valores acima de 20 nos países em desenvolvimento, com destaque para México, África do Sul e Índia. Em relação à remuneração e à valorização dadas aos professores, os salários pagos a educadores do Ensino Fundamental II com 15 anos de experiência em países como Austrália, Canadá e Alemanha são, em média, o dobro dos salários pagos a professores (com as mesmas qualificações) nos países latino-americanos e na Turquia.

Cabe citar também as prováveis consequências do coronavírus no aprofundamento da desigualdade educacional, devido ao fato de que muitos alunos não possuem acesso propício à tecnologia e à internet em suas residências, deixando os estudantes de baixa renda em situação ainda mais vulnerável em comparação aos seus colegas mais ricos. Na China, 40% dos lares não possui conexão com internet e, nos EUA, a segregação digital atinge de maneira mais incisiva a população de baixa renda, principalmente negros e hispânicos. Isto sem mencionar a condição das crianças na África Subsaariana, em que o aprendizado virtual está longe de ser uma possibilidade para a maioria delas.

Portanto, governos, organizações e cidadãos, como um todo, devem estar atentos às transformações da sociedade, para garantir que todos tenham oportunidades equânimes no acesso ao sistema educacional, fortalecendo o desenvolvimento e permitindo com a educação seja mais inclusiva, ao abranger diversas preferências, aptidões, culturas, etnias e faixas de renda.

Ao tomarmos como unidade de análise as fronteiras de um país, nos deparamos com uma outra expressão de desigualdade – a regional – muito presente na realidade da educação brasileira. Analisando o Censo Demográfico de 1872, ainda não era possível observar  uma distinção nítida entre regiões em relação à taxa de analfabetismo. O Brasil, baseando-se, essencialmente, numa estrutura econômica de grandes propriedades rurais e social de exploração do trabalho escravo nutria pouco interesse na alfabetização da população e não legava até então marca regional ao analfabetismo.

São, principalmente, as imigrações europeias que se estabelecem em pequenas propriedades no sul do país e a urbanização advinda da industrialização que começam a impulsionar a redução do analfabetismo nas regiões sul e sudeste. Passado aproximadamente um século do início da tendência de queda do analfabetismo no Brasil (1890-1930), esta configuração de divisão educacional entre as regiões permanece. Ainda que as taxas de analfabetismo tenham decrescido em todas as regiões, a Sul e Sudeste são as que detêm as melhores taxas de alfabetização atualmente.

Quando observamos a situação atual das regiões no que tange aos resultados educacionais, podemos ver a demarcação desta desigualdade, que se inicia no fim do século XIX,  ainda muito presente. Um pouco de alento vem do fato da região nordeste vir garantindo acesso à educação básica às crianças de 4 e 5 anos em maior proporção que qualquer outra região, indicando uma democratização do acesso aos primeiros anos da educação básica. Contudo, não vemos esse movimento em relação à região Norte, que ainda possui a pior taxa de atendimento de crianças nesta faixa etária. Ainda que nos últimos doze anos tenhamos visto esse avanço da região nordeste, tanto ela como a região norte ainda não conseguiram superar os desafios de adequação de fluxo, conclusão e desempenho e se equiparar às demais regiões.

Concentremo-nos inicialmente nos indicadores de resultados de proficiência. Pode-se observar que os alunos das regiões norte e nordeste já possuem uma grande defasagem no início da sua vida escolar, com níveis de alfabetização bem inferiores aos das outras regiões, segundo resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) 2016.

Em leitura, enquanto aproximadamente 30% dos alunos dessas regiões estão alfabetizados no 3º ano do EF, este índice chega a quase 50% no Centro Oeste e por volta de 55% nas regiões Sul e Sudeste. Este pior desempenho em avaliações padronizadas e em larga escala vai ser observado pelo resto da educação básica.

Uma das consequências deste baixo desempenho vai se refletir nas taxas de rendimento e transição, cuja combinação de taxas acentuadas de reprovação, abandono e evasão nas regiões Norte e Nordeste vai implicar em maiores taxas de distorção idade-série (TDI). cujas taxas nos anos iniciais do ensino fundamental estão próximas de 20%, enquanto nas demais regiões elas se aproximam de 10%. Nos anos finais a diferença em relação à taxa da região com pior desempenho, a Sul, é também cerca de 10 p.p., situação parecida à encontrada no Ensino Médio. A culminância de todo este percurso de desigualdade é que aos 19 anos apenas aproximadamente 50% dos jovens possuem ensino médio completo na região Norte e Nordeste, enquanto nas demais regiões este indicador está em torno de 70%.

A não concretização do direito à educação, que pode ter custado a essas regiões uma série de perdas na qualidade de vida de sua população, pode ter implicações ainda maiores no século XXI. Hoje estamos presenciando uma quarta revolução industrial, nela emerge uma sociedade mais complexa e que exigirá habilidades mais sofisticadas que as do passado, principalmente no que se refere ao setor produtivo. Não ter sua população capacitada para participar desta nova revolução implicará, mais uma vez, em uma maior marginalização das regiões norte e nordeste em termos de desenvolvimento econômico, mantendo sua população alijada dos ganhos sociais que poderiam ser impulsionados por ele.

 

 

[1] Gastos cumulativos representam o quanto custa ensinar um aluno durante todo o seu período de educação obrigatória

 

Referências

Anuário Brasileiro da Educação Básica 2020. Todos Pela Educação. 2020 <https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/456.pdf?1969753478/=&utm_source=content&utm_medium=site-todos>

CNN Brasil. 90% dos alunos estão em casa: pobres são os mais prejudicados. abr. 2020. Disponível em <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/04/22/90-dos-alunos-no-mundo-estao-em-casa-pobres-sao-os-mais-prejudicados>

FERRARO, Alceu Ravanello; KREIDLOW, Daniel. Analfabetismo no Brasil: configuração e gênese das desigualdades regionais. Educação & Realidade, v. 29, n. 2, 2004. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25401/14733

INEP. Indicadores Educacionais, 2018. Disponível em <http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais>

OCDE. Data PISA. 2018. Disponível em <https://www.oecd.org/pisa/data/>

OCDE. Education at a Glance. 2019. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/eag/documentos/2019/EAG_2019_OCDE.pdf>

OCDE. Equity in education: Breaking down barriers to social mobility. Organisation for Economic Co-operation and Development OECD, 2018.

Organização Educando. A desigualdade da educação na América Latina. Disponível em: <https://educando.org/pt/a-desigualdade-da-educacao-na-america-latina/>

Portal IEDE. Brasil é um dos países com maior diferença de desempenho educacional entre alunos ricos e pobres. dez. 2019. Disponível em: <https://www.portaliede.com.br/pisa-2018-brasil-e-um-dos-paises-com-a-maior-diferenca-de-desempenho-educacional-entre-alunos-ricos-e-pobres/>