Parte 1 da série sobre o ensino online. 
Por Julia Borges, membra do EconoEduc.

 

Os jovens que estão atualmente em sala de aula na educação básica, compõem, em sua maioria, a geração Z (nascidos após 1996) e são considerados “nativos digitais” – utilizam com frequência as redes sociais, estão conectados quase o tempo todo e têm facilidade com tais tecnologias. Diante disso, seria de se esperar que com a suspensão das aulas presenciais devido à pandemia, a adaptação ao modelo de ensino online, considerando a perspectiva do aluno, não fosse tão complicado. Entretanto, não é o que observamos.

No nosso país, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2018, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), entre as classes D e E, somente 40% dos domicílios possuem acesso à internet. Quando observamos as regiões, o nordeste ainda apresenta 43% da sua população não conectada, e fazendo o recorte nas zonas rurais do país, esse número é de 40%. 

Dessa forma, no Brasil, dizer que nossos jovens são “nativos digitais” é olhar apenas para as classes mais abastadas, moradores de centros urbanos e com destaque para os estados do sul e sudeste. Na realidade, grande parte dos nossos alunos não estão habituados à essas tecnologias, e muitas vezes não possuem nem os aparelhos necessários para poderem estudar e acompanhar as aulas.  

Muitos professores, por sua vez, também estão em um ambiente desconhecido. Embora o ensino híbrido e o ensino online são propostas que já vêm sido discutidas e inseridas em algumas escolas durante certo tempo, uma pesquisa realizada pelo Instituto Península mostra que 83% dos professores se dizem “pouco ou nada” preparados para o ensino virtual, e segundo o estudo, para muitos isso não é apenas uma impressão:

55% dos docentes afirmam não terem tido nenhuma formação para o ensino remoto. 

A mesma pesquisa mostra que há uma diferença nítida entre as escolas municipais e estaduais e o ensino privado: professores da rede privada têm mais contato com seus alunos (77% manteve o contato, frente a 68% na esfera estadual e 51% na municipal), além de terem mais suporte emocional, acesso a currículos adaptados, ferramentas como ambientes virtuais de aprendizagem, sendo o próprio oferecimento de aulas online pelas escolas maior na rede privada.

Diante disso, o que observamos é que o isolamento social evidenciou ainda mais a desigualdade que afeta o nosso país e o atraso da educação brasileira.

Entretanto, apesar dos dados mostrarem que muitos ainda não possuem acesso à internet no Brasil, é inegável que as tecnologias digitais vêm ganhando um espaço cada vez mais importante na sociedade. Ademais, elas podem contribuir muito para o aprendizado, principalmente quando integradas à metodologias ativas, e a inserção do aluno como protagonista do aprendizado. 

Dessa forma, é evidente a urgência que temos em capacitar nossos professores para fazerem uso de tais ferramentas, de maneira que possam contribuir para a melhoria do ensino não apenas durante o período de isolamento social, mas também após o retorno escolar. Igualmente inadiável é a ampliação do acesso à internet aos nossos jovens, de forma que se tornem realmente “nativos digitais”. 

 Enquanto tais medidas não forem tomadas, veremos cada vez mais o agravamento das desigualdades no nosso país, sobretudo no momento em que vivemos. 

Sabemos que tais mudanças não são rápidas e, diante da situação atual, fez-se  necessário pensar em iniciativas emergenciais a fim de evitar uma paralisação completa do ensino público. Para alcançar o maior número possível de alunos, dado o significativo percentual sem acesso à internet de qualidade em casa, alguns estados, como Tocantins, aplicaram estratégias como o uso de TV aberta para as aulas remotas, já que este meio atinge cerca de 90% da população brasileira. São Paulo, além do uso da TV aberta, disponibilizou um aplicativo que não necessita de dados móveis para a exibição das aulas visando facilitar o acesso aos alunos de baixa renda. 

Ainda no exemplo de São Paulo, o Centro de Mídias da Educação, iniciativa criada este ano para possibilitar o ensino remoto durante a pandemia mas que deve continuar dentro das atividades promovidas pela Seduc após o retorno das aulas presenciais,  busca não só ampliar a oferta aos alunos, mas também contribuir com a formação dos educadores e de uma educação mediada por tecnologia, inovadora e de qualidade, alinhada às demandas do século XXI. O estado está entre os que têm fornecido formações aos professores acerca de metodologias e ferramentas para o ensino remoto, a fim de dar suporte e mitigar as dificuldades que estes profissionais tiveram de enfrentar com a mudança abrupta na forma de dar aulas. Com isso, tem se observado resultados positivos no engajamento de profissionais e alunos no contexto remoto.

É fundamental reconhecer que nem todos os estados possuem as mesmas capacidades que São Paulo e, Brasil afora, a realidade é que a maior parte dos governos não possui recursos financeiros e materiais para ações desse porte.

 Ainda assim, as ações dos estados que conseguiram implementar boas práticas podem servir de modelo ou mesmo de motivação às demais secretarias, para que adaptem propostas à suas realidades e tirem inspirações para a criação de novos projetos. Diante disso, o compartilhamento de experiências e a manutenção de conexões entre as redes podem ser estratégias aliadas na busca de minimizar o impacto da suspensão das aulas presenciais, além de servir como um pontapé inicial de novas formas de ensino a serem aplicadas mesmo após o retorno às escolas, com professores capacitados para o uso de tecnologias, e jovens conectados também dentro da sala de aula. 

 

Referências:
Painel “Ensino híbrido: novos formatos de ensino pós-COVID-19”. EDUCA WEEK 2020. 14 de julho de 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Fpoccgh9cGg>. Acesso em: 9 de agosto de 2020.
Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do Coronavírus no Brasil. Instituto Península. Maio, 2020. Disponível em: < https://institutopeninsula.org.br/wp-content/uploads/2020/05/Covid19_InstitutoPeninsula_Fase2_at%C3%A91405.pdf>. Acesso em: 9 de agosto de 2020.
A educação não pode esperar: Ações para minimizar os impactos negativos à educação em razão das ações de enfrentamento ao novo coronavírus. IEDE. Julho, 2020. Disponível em:<https://www.portaliede.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Estudo_A_Educa%C3%A7%C3%A3o_N%C3%A3o_Pode_Esperar.pdf>. Acesso em:  de agosto de 2020.