Parte 2 da série sobre o ensino online. 
Por Julia Borges, Assessora técnica na SEDUC-SP e membra do EconoEduc.

 

Há quase um semestre, a chegada da Covid-19 ao Brasil fez com que a vida de todos fosse alterada. Sem muito aviso prévio, foi solicitado que evitássemos ao máximo sair de casa, usássemos máscaras na rua e parássemos de nos aglomerar. Diante disso, muitos setores precisaram se reinventar. A educação foi um deles. Os gestores públicos se viram diante de um desafio sem precedentes: o que fazer com a impossibilidade de continuar com  as aulas presenciais?

No último artigo introduzimos que a principal aposta adotada pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo foi a  criação do Centro de Mídias da Educação de São Paulo, com o intuito de garantir de maneira remota e mediada por tecnologia a oferta de aulas e formação para seus educadores. Continuando na análise desta política, trago aqui alguns aprendizados dos últimos meses.

A secretaria, visando alcançar a maior quantidade de alunos e educadores, disponibiliza as aulas e formações gravadas no CMSP nas mais diversas plataformas (facebook, youtube, no próprio aplicativo do CMSP e na TV aberta) . O aplicativo é dividido por ano escolar, além de possuir um canal específico para formação de professores, e uma especificidade importante na questão do acesso a ele é que conta com uma tarifação reversa, em que a operadora taxa a Secretaria e não o usuário, facilitando aos alunos de baixa renda que não tem pacotes de dados. 

Contudo, mesmo com as estratégias de difusão, a proposta ainda não atinge a todos, uma vez que existem alunos que não possuem celular, computador ou televisão. Além disso, mesmo entre os estudantes que estão conseguindo acompanhar as aulas, é evidente que o resultado obtido não é o mesmo que nas aulas presenciais. O aplicativo não consegue, por exemplo, realizar um controle da quantidade de alunos que estão acessando, e mesmo que essa alteração seja incluída, ainda existem aqueles que assistem através de outras plataformas menos rastreáveis, como a televisão, impossibilitando identificar com exatidão a assiduidade dos alunos. 

Apesar disso, o CMSP têm buscado aprimorar cada vez mais suas práticas, na medida do possível. O chat do aplicativo, por exemplo, inicialmente unificado com comentários dos milhares de alunos assistindo às aulas, agora está sendo alterado para chats por escola. Assim, alunos interagem diretamente com seus colegas de classe e professores, facilitando o acompanhamento, proximidade e monitoramento dos estudantes, ao passo que a aula acontece ao vivo no CMSP. 

As aulas online passam por um longo processo de elaboração antes de irem ao ar, desde apoio das equipes curriculares da secretaria na análise dos planos, até uma verificação cautelosa de direitos autorais e diagramação, com o intuito de garantir que o conteúdo chegue aos alunos com o máximo de qualidade – esse processo pode trazer grandes aprendizados para o ensino presencial e para capacitar os demais professores na preparação das aulas. Ademais, os professores de estúdio, os quais são docentes da própria rede afastados para lecionarem no CMSP,  têm buscado cada vez mais utilizar metodologias ativas, através de medidas como a realização de jogos interativos como quiz (um sucesso entre os alunos, diga-se de passagem) durante as aulas. 

Em relação aos educadores, por sua vez, o CMSP tem realizado diversas formações sobre temas como metodologias ativas e uso de ferramentas tecnológicas. Uma pesquisa feita pela USP mostra que 70% dos professores têm se sentido muito ou totalmente apoiados pela SEDUC em relação à formação para as aulas remotas. Ademais,é possível alavancar as próprias aulas do CMSP como formativas à rede, uma vez que servem como um exemplo sobre a prática em sala do Novo Currículo Paulista, que entrou em vigor esse ano, e como trabalhar as habilidades através de uma sequência didática, um ponto que ainda é frequentemente levantado como dificuldade por parte dos professores. 

Dessa forma, embora o CMSP tenha surgido de maneira emergencial e a princípio sem muitas definições de seus próximos passos, suas diretrizes têm se estruturado cada vez mais e se mostrado muito eficaz diante do que lhe é possível – levando em consideração as barreiras que o impedem de atingir à todos, e, claro, sem nunca se comparar à educação presencial. 

Diante disso, como alguém que vem acompanhando dos bastidores o Centro de Mídias, acredito que o CMSP vem transformando a educação em São Paulo, aproximando ainda mais a Secretaria dos educadores, alunos, e inclusive a rede entre sí. Ademais, ouso dizer que talvez um outro efeito – que imagino não ter sido planejado –  é a valorização dos docentes. O fato dos professores do CMSP (e demais secretarias que tiveram iniciativas similares) estarem aparecendo nas mais diferentes mídias sociais e TV Aberta pode estar contribuindo para modificar a percepção dos alunos a respeito da profissão. 

Professores relataram ter aumentado exponencialmente seus seguidores no instagram e inclusive terem fã clubes tanto de alunos como de outros docentes. De certa forma, ao ir além das barreiras da sala de aula e dialogar com o mundo dos jovens de redes sociais, as aulas online aproximaram a escola de outros interesses dos estudantes, despertando um engajamento diferente na relação dos alunos com professores e atividades. Os estudantes passaram a enviar atividades realizadas pelas redes sociais, e começaram a criar studygrams – perfis nas redes para compartilhar seus aprendizados com professores e colegas. Essa mudança irá requerer um cuidado ainda maior dos docentes, que de certa forma passam a ser “pessoas públicas” e a ter as responsabilidades decorrentes do aumento do número de pessoas sob sua influência direta. Mas o reconhecimento dos profissionais da educação através dessas plataformas e o engajamento dos alunos são fenômenos que podem ter consequências muito positivas e que, se bem aproveitados pelas redes (e isso vale para todas que aplicam ferramentas semelhantes), essas formas de engajamento e o entusiasmo podem ser grandes aliados na aprendizagem. 

Acredito, dessa forma, que o CMSP e as demais iniciativas similares pelo Brasil afora, embora tenham sido criadas primordialmente para garantir o acesso à educação durante a pandemia, estão abrindo as portas para  para o futuro da educação, irão se tornar complementações importantes às aulas e formações presenciais através do Ensino Híbrido, tema que vem sendo cada vez mais discutido com o retorno às aulas, e servindo de inspiração para diversas outras políticas públicas no país. 

Afinal, há anos já se discute a importância do uso de ferramentas digitais na educação, porém como algo a ser implementado a longo prazo. Bem ou mal, neste momento, estamos tendo a oportunidade de testar o uso em larga escala. Pelo visto, este ensino do futuro chegou bem antes do esperado.

 

Referências:

GRANDISOLU, Edson; JACOBI, Pedro Roberto; MARCHINI, Silvio. Pesquisa: Educação, Docência e a Covid-19. Programa USP Cidades Globais. Disponível em: <http://www.iea.usp.br/pesquisa/projetos-institucionais/usp-cidades-globais/pesquisa-educacao-docencia-e-a-covid-19>. Acesso em: 16 de agosto de 2020.

Educação e Coronavírus. <http://educacaoecoronavirus.com.br/consulte-o-levantamento/