EDIT 15/12 – 19h15: Senado Federal realizou acordo para derrubar os destaques votados na Câmara, recuperando o texto-base do Dep. Rigoni. Agora precisará ser deliberado novamente pela Câmara, que por sua vez avaliará os destaques citados nesse texto.

 

O dia 15 de dezembro de 2020 é um dia decisivo para o futuro da Educação Básica brasileira. Não apenas porque precisamos garantir o Fundeb – principal política de financiamento da educação – funcionando bem em 1º de janeiro, o que requer a aprovação do PL nº 4372/2020. Também porque temos uma decisão a fazer sobre desigualdades educacionais.

No início de dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo do PL nº 4372/2020, articulado pelo Dep. Felipe Rigoni, para regulamentar o funcionamento do Fundeb nos termos da Emenda Constitucional nº 108. O texto-base apresentado pelo Dep. Felipe Rigoni incorporou avanços substantivos em matéria de promoção de qualidade e equidade na Educação, mas um conjunto de destaques parlamentares aprovados modificaram sensivelmente os impactos do Projeto de Lei.

Um dos destaques aprovados permite que as matrículas em instituições conveniadas de Ensino Fundamental e Médio passem a receber recursos do Fundeb, até o limite em que essas matrículas alcancem 10% do total de matrículas nessas etapas em cada rede de ensino. Isso significa uma transferência de recursos da rede pública para a rede privada, com o Fundeb financiando convênios que desidratariam o investimento em educação pública.

Considerando as matrículas hoje existentes nas escolas privadas sem fins lucrativos no Brasil, que seriam objeto de conveniamento, o impacto calculado pela ONG Todos Pela Educação é que R$ 3,4 bi tendem a migrar da rede pública para a rede privada. Considerando o cenário com crescimento das matrículas até o limite de 10%, esse valor sobe para R$ 12,8 bi.

No Maranhão, a migração pode ser de R$ 133 a 559 milhões para a rede privada; no Rio de Janeiro, R$ 233 a R$ 560 milhões; Rio Grande do Sul, R$ 528 a R$ 794 milhões; em São Paulo, R$ 625 milhões a R$ 2,7 bilhões, conforme a tabela abaixo, produzida pela equipe do Todos Pela Educação. Trocando em miúdos, significa puxar o curto cobertor do financiamento da educação pública para cobrir o setor privado. O resultado é aprofundar desigualdades entre público e privado, e entre famílias mais e menos vulneráveis.

Não há argumento sólido para tal mudança no funcionamento do Fundeb. Hoje matrículas em instituições privadas sem fins lucrativos são contabilizadas apenas na creche, pré-escola, pré-escola e educação no campo, tipos de atendimento em que de fato ainda há falta de vagas no Brasil. Não é o caso do Ensino Fundamental e Médio, com vagas universalizadas.

Se a falta de vagas não é argumento, tampouco é razão a questão de qualidade. Não há evidências de que instituições privadas têm melhor desempenho quando se controla os resultados por nível socioeconômico. Já as escolas públicas precisam do Fundeb para o básico; sem ele, a qualidade despenca.

Também é preciso considerar que essa nova regra leva às redes de ensino ao chamado “dilema do prisioneiro”. Competirão com outras redes para fazer mais convênios com o setor privado e assim maximizar suas receitas, uma vez que os valores recebidos são função da soma de matrículas ponderadas. O resultado tende a ser uma enorme expansão da rede conveniada, sem muito critério nem qualidade.

Além disso, essa regra favorece municípios onde há maior mercado para instituições privadas filantrópicas, comunitárias e confessionais. Esses são justamente os municípios mais ricos do país, como revela o gráfico abaixo, também produzido pelo Todos Pela Educação.

Fonte: Inep/MEC e IBGE. Elaboração: Todos Pela Educação.

No Rio de Janeiro, por exemplo, parte do que recebe Belford Roxo [munícipio de baixo IDH-m] tende a migrar para municípios como Niterói [alto IDH-m]. Em Niterói, as matrículas na rede privada sem fins lucrativos no Ensino Fundamental são 10% do total. Em Belford Roxo, 2,6%.

O cálculo da Conof/CD é que essa migração de recursos será de pelo menos R$ 1 bilhão de municípios pobres para ricos. E como a regra incentiva convênios público-privados onde já há instituições estabelecidas, a tendência é o valor aumentar com o tempo, ampliando desigualdades. Ou seja, a desigualdade tende a aumentar em cada estado brasileiro, justamente o movimento inverso que representa a votação do Novo Fundeb.

Todo esse movimento negativo resultante do destaque da educação privada pode até piorar com o efeito somado de outro destaque aprovado na Câmara dos Deputados. Isso porque passa a se contabilizar também as matrículas em instituições privadas realizadas apenas no contraturno – o que é inclusive estranho à meta 6 do Plano Nacional de Educação.

Estamos portanto em uma encruzilhada. Se seguirmos no Senado com a aprovação integral do texto do PL nº 4.372, o que será observado é a escalada das desigualdades educacionais em vários níveis. Mas, por outro lado o Senado pode corrigir as mudanças equivocadas inseridas nos destaques na Câmara dos Deputados e garantir um Fundeb operacional e justo em 1º de janeiro de 2021. O que está em jogo são as condições dignas de aprendizagem do conjunto de estudantes da rede pública brasileira.