O texto corresponde ao Capítulo 4 da dissertação de mestrado “Equidade educacional na Federação brasileira: o papel das transferências federais aos municípios”, concluída em Abril de 2020 no âmbito do mestrado acadêmico em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (SP). De autoria de Caio Callegari e orientação de Fernando Abrucio.


 

A desigualdade é a principal questão da agenda pública brasileira desde a redemocratização do Brasil, no período pós-1985. O combate às várias formas históricas de desigualdades existentes no território nacional é o cerne do esforço criativo de políticas públicas e proteções inscritas na estrutura legal do Estado brasileiro, inclusive na seara do financiamento da Educação. Recorremos inicialmente ao texto constitucional, nos Art. 6 e 206, para identificar a educação como direito social de todos, com o princípio de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. O Art. 211 estipula que é papel da União garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos entes federativos. Mas não há, no texto constitucional, delimitação de quais óticas devem ser analisadas para monitoramento da consecução do direito educacional, uma vez que ele é comum a todos os cidadãos.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)[1], a única delimitação encontrada é que deve haver atendimento especial aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Já nas leis nº 10.880/2004 (que estabelece o PNATE) e nº 11.494/2007 (que regulamenta o FUNDEB), há o fundamento para financiamento diferenciado das matrículas na zona rural[2]. Por fim, a Lei nº 13.005 (que cria o Plano Nacional de Educação 2014-2024) estabelece em seu Art. 2º, inciso III, que o Plano Nacional de Educação tem como diretriz a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. Já no seu conjunto de metas há estratégias específicas para garantir acesso e qualidade da educação a grupos mais vulneráveis, como a população no primeiro quintil de renda familiar (estratégia 1.2), a população indígena e quilombola (múltiplas estratégias), a população com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (meta 4 e múltiplas estratégias) e a população de mulheres (estratégia 14.8).

Particularmente interessante para o contexto desta investigação é o texto da meta 8 do PNE: elevar a escolaridade média para pelo menos doze anos de estudo para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros. Esse conteúdo traz de forma mais evidente que as dimensões de desigualdades que devem ser observadas no contexto de monitoramento de um resultado educacional específico (anos de escolaridade) são a localidade urbano/rural, a regional, a de renda e a de raça/cor.

O trabalho de Callegari e Gomes (2018) sistematiza 6 dimensões de desigualdades que devem ser monitoradas no Brasil, a partir das discussões conduzidas pelo movimento Faz Diferença?:

  • Regional/territorial, que aborda diferenças entre espaços geográficos dentro de um subconjunto específico do território;
  • Localidade urbano/rural, que denota as diferenças entre as oportunidades nas cidades e no campo;
  • Raça/cor, que envolve questões de desigualdades étnico-raciais na população;
  • Gênero, que vai além da dicotomia masculino-feminino para abarcar todas as possíveis expressões de gênero, alvo de múltiplas diferenças de tratamento na sociedade;
  • Nível socioeconômico, que envolve principalmente questões de desigualdade de renda, mas também de acesso a bens culturais e imateriais que impactam a mobilidade social e o desenvolvimento cidadão;
  • Dimensão física-biológica, com olhar atento para a população com deficiências físicas, intelectuais ou transtornos globais do desenvolvimento.

Focaremos o percurso por indicadores estatísticos educacionais de 2018 nas desigualdades regionais/territoriais e de nível socioeconômico, uma vez que essas dialogam mais diretamente com o objetivo desta pesquisa, que é tratar das desigualdades entre os municípios brasileiros. Mostraremos, em primeiro lugar, dados de desigualdade de acesso à escola de Educação Básica sob o prisma da desigualdade socioeconômica e das diferenças entre os estados brasileiros; depois, dados de desigualdades nos resultados educacionais, pelos mesmos prismas; na sequência, desigualdades sob a ótica de insumos educacionais, com foco nos recursos financeiros disponíveis em Educação e em condições de infraestrutura das escolas. Salvo esse último elemento (que trará análise autoral de infraestrutura por nível socioeconômico), todas as informações foram extraídas do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019, produzido pelo movimento Todos Pela Educação e pela Editora Moderna[3].

Desigualdades de acesso à escola de Educação Básica

O acesso à escola é direito constitucional de todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos, mas ainda está longe de ser uma garantia que o Estado brasileiro consegue oferecer a todos. Segundo os dados do Anuário para 2017, informação mais recente disponível calculada a partir da Pnad Contínua/IBGE[4], 1,5 milhão de crianças e jovens estavam fora da escola.

Parte expressiva dessa população, 903 mil jovens, está na faixa etária de 15 a 17 anos, a qual deveria estar matriculada no Ensino Médio de acordo com a estrutura brasileira de divisão do ensino em etapas. Além disso, são 214 mil crianças e jovens de 6 a 14 anos fora da escola, os quais deveriam estar no Ensino Fundamental, e 370 mil crianças de 4 a 5 anos, idade correspondente à pré-escola.

Do ponto de vista do percentual da população em cada faixa etária, estavam fora da escola, em 2017, 9% dos jovens de 15 a 17 anos, 7% das crianças de 4 a 5 anos e 1% das crianças e jovens de 6 a 14 anos. Esse último número representa uma virtual universalização do Ensino Fundamental no Brasil.

É importante também observar os dados de acesso à creche no Brasil, etapa de ensino que atende crianças de 0 a 3 anos. Essa etapa não é considerada obrigatória pela Constituição Federal (Art. 206), mas possui meta própria no Plano Nacional de Educação para que a taxa de atendimento cresça para 50% da população de 0 a 3 anos até 2024. Em 2017, esse percentual estava em 34%.

Destrinchando a análise pelos quartis de renda da população, o Anuário mostra que a taxa de atendimento em creche no quartil mais elevado (25% mais ricos) é o dobro da taxa de atendimento no quartil mais baixo (25% mais pobres) – respectivamente 26% e 55%. Segundo o movimento Faz Diferença?,

“Há, dessa forma, uma violação da igualdade formal que compromete a construção de igualdade de oportunidades. Crianças de famílias mais ricas, que dispõem de melhores condições de alimentação e cuidados básicos, acabam ocupando o espaço de atenção do poder público na oferta educacional. As crianças de famílias mais vulneráveis, que necessitariam do apoio de equipamentos públicos de qualidade para equalizar as condições de desenvolvimento, acabam desassistidas, tendo de esperar longamente em filas por vagas. É preciso, nesse sentido, compreender que antes mesmo da creche já desigualdades entre as crianças de diferentes níveis socioeconômicos. A diferença do tamanho de vocabulário de uma criança de 3 anos de idade de uma família rica e de uma família em situação vulnerável é de cerca de 30 milhões de palavras.” (Faz Diferença?, 2018)

Entre as Unidades da Federação, a desigualdade no atendimento em creche é ainda mais expressiva. Enquanto em São Paulo e Santa Catarina, estados ricos, o percentual de atendimento era de 47,1% em 2017, no Amapá apenas 7,6% das crianças de 0 a 3 anos estavam em creche; no Amazonas, tal percentual era de 11,5%. Observando por regiões, os estados na região Norte tinham em média atendimento em creche de 18,3%, na região Centro-Oeste de 26,9%, na região Nordeste de 30,6%, na região Sudeste de 40,4% e na região Sul de 40,9%.

Padrão diferente é identificado na pré-escola. Na faixa etária de 4 a 5 anos, a taxa de atendimento nos estados da região Nordeste é a mais elevada, em média 95,6%, com valor máximo de 98% no Ceará e no Piauí. A região do país com menor taxa de atendimento em pré-escola é, assim como o caso da creche, a região Norte, com menor percentual no Amapá, de 72,7%. Roraima e Tocantins se distanciam da média da região Norte, com 93% de acesso.

Por nível socioeconômico, observamos que 91% das crianças de 4 a 5 anos nas 25% famílias mais pobres estão na escola (e 9% fora da escola), enquanto nas famílias 25% mais ricas 96% das famílias estão na escola (e 4% fora da escola).

Para a faixa etária de 6 a 14 anos, o Anuário não traz dados de desagregados de taxa de atendimento, uma vez que ela é virtualmente universalizada em todo o país. O que se revela são os dados de taxa líquida de matrícula no Ensino Fundamental[5]: 3% dessa faixa etária entre os mais pobres e 2% entre os mais ricos estão fora do Ensino Fundamental. Entre estados, o maior percentual de crianças e jovens de 6 a 14 anos fora do Ensino Fundamental é em Roraima (4%).

Para a faixa etária de 15 a 17 anos, o Anuário também desagrega apenas os dados da taxa líquida de matrícula no Ensino Médio[6]. No total da população, a taxa líquida de matrícula atingiu 67,5% em 2017, sendo 91,1% entre os 25% mais ricos e apenas 57,3% entre os 25% mais pobres. Isso significa que a taxa de jovens fora do Ensino Médio é quatro vezes maior entre os mais pobres que entre os mais ricos.

Na comparação entre as Unidades da Federação, os dados mostram as regiões Nordeste (60,4%) e Norte (62,4%) com menores taxas líquidas de matrícula no Ensino Médio; os estados com piores indicadores são Sergipe (48,6%) e Bahia (54,8%). Ceará e Roraima despontam com 73% de taxa, número próximos às taxas médias do Sul (71,5%), Centro-Oeste (71,7%) e Sudeste (75,6%). O maior percentual é identificado no estado de São Paulo (79,4%).

Desigualdades de resultados de aprendizagem

As diferenças de resultados de aprendizagem entre as Unidades da Federação, medidas por avaliações padronizadas nacionais, são expressivas e traduzem uma vez mais o impasse federativo na garantia do direito educacional. O Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019 mostra que apenas 20% dos estudantes maranhenses alcançaram nível adequado de aprendizagem[7] em Matemática no 5º ano do Ensino Fundamental na mensuração feita pelo Saeb 2017, enquanto em São Paulo esse percentual foi três vezes maior (65%). Em língua portuguesa, no 5º EF, a desigualdade varia de 33,6% de aprendizagem adequada no Maranhão a 73,9% em São Paulo. Entre regiões, Sul e Sudeste se destacam com percentuais de aprendizagem adequada próximos a 70% em língua portuguesa e 60% em matemática. Apenas Ceará (66% em língua portuguesa e 50% em matemática) e Acre (62% em língua portuguesa e 51% em matemática) chegam próximos a tais percentuais nas regiões Nordeste e Norte.

Ao final do Ensino Fundamental, no 9º EF, a desigualdade interfederativa se mantém elevada. O estado de Santa Catarina apresenta taxa de aprendizagem em língua portuguesa de 48,3%, que é mais que o dobro da taxa do Maranhão (19,6%), e em matemática o resultado catarinense (28,6%) é quatro vezes o indicador do Amapá (6,8%). Novamente há um padrão de melhores resultados nas regiões Sul e Sudeste, com apenas Ceará e Rondônia alcançando patamares próximos aos dos estados destas regiões.

Por fim, ao final do Ensino Médio (3º EM), a desigualdade de aprendizagem atinge os maiores níveis. Em língua portuguesa, apenas 17,6% dos jovens da região Norte aprendem o considerado adequado, sendo que no Pará tal percentual é de 15,6%. Já nas regiões Sul e Sudeste o indicador médio é o dobro, 34%, com Espírito Santo com maior taxa – 40,7%. Em matemática, o Distrito Federal é a melhor Unidade da Federação apesar do baixo resultado: 17% de seus jovens aprendem o considerado adequado. Na outra ponta estão Amazonas e Amapá, onde apenas 3% dos jovens alcançam resultados adequados de aprendizagem.

A desagregação por nível socioeconômico mostra dados ainda mais desiguais em todas as etapas de ensino. Conforme o gráfico abaixo, ao final do primeiro ciclo do Ensino Fundamental (5º EF) a desigualdade na taxa de aprendizagem adequada entre o grupo socioeconômico mais vulnerável (grupo 1) e o menos vulnerável (grupo 6) é da ordem de 3 vezes em língua portuguesa e de quase 5 vezes em matemática. Apenas 18% das crianças no menor nível socioeconômico aprendem o adequado em matemática no 5º EF, enquanto esse percentual é de 84% para as crianças do maior nível socioeconômico. Importante mencionar que tal indicador é calculado apenas para crianças que estudam na rede pública de ensino.

Gráfico – Percentual de estudantes de escolas públicas com aprendizagem adequada no 5º EF, por grupo de nível socioeconômico (NSE) da escola

Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019. Elaboração própria.

Ao final do Ensino Fundamental, no 9º EF, a distância da taxa de aprendizagem adequada em língua portuguesa salta de três para quase cinco vezes e, em matemática, passa de cinco para mais de nove vezes. Se a chance de ter aprendido o adequado em matemática é de 70,5% em 2017 para um jovem do grupo socioeconômico mais elevado, entre os jovens mais vulneráveis a taxa é de apenas 7,5%, como é ilustrado no gráfico abaixo.

Gráfico – Percentual de estudantes de escolas públicas com aprendizagem adequada no 9º EF, por grupo de nível socioeconômico (NSE) da escola

Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019. Elaboração própria.

Já no Ensino Médio, a diferença da taxa de aprendizagem adequada entre os grupos 1 e 6 de nível socioeconômico se mantém em cerca de cinco vezes em língua portuguesa, mas em matemática essa diferença salta de nove para mais de vinte vezes. Apenas 3,1% dos jovens mais vulneráveis aprenderam o considerado adequado em matemática ao fim do 3º EM, enquanto 63,6% dos jovens menos vulneráveis o fizeram, conforme gráfico abaixo.

Gráfico – Percentual de estudantes de escolas públicas com aprendizagem adequada no 3º EM, por grupo de nível socioeconômico (NSE) da escola

Fonte: Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019. Elaboração própria.

 

Desigualdades de insumos educacionais

Apresentados os dados mais recentes de desigualdades de acesso à escola e de resultados de aprendizagem, nos quais identificamos um padrão preponderante de mais escassas oportunidades educacionais nos níveis socioeconômicos mais baixos e nas regiões Norte e Nordeste, passamos a analisar desigualdades em insumos educacionais. Focamos essa análise em duas vertentes: disponibilidade fiscal para investimento em Educação e condições de infraestrutura das escolas. Simielli (2015) trata de outros insumos educacionais, como qualificação do corpo docente, mas não incluiremos esses outros indicadores nessa análise.

Em primeiro lugar, vale relembrar que o arcabouço normativo do financiamento da Educação brasileira, apresentado na introdução e no capítulo 1, reforça um sistema de desigualdades no financiamento da Educação no que diz respeito às diferentes disponibilidades fiscais para investimento, em função dos diferentes montantes de impostos vinculados à Educação. Entes subnacionais que arrecadam mais, muito em função de estruturas econômicas historicamente estabelecidas, têm à disposição mais recursos assegurados para a Educação.

Mesmo com as diversas estratégias nacionais com fins redistributivos na Educação (entre elas o FUNDEB, que redistribui parte dos tributos vinculados), os municípios que atendem os estudantes mais pobres dispõem de menos recursos financeiros para investir em Educação – em média, 44% a menos (Todos Pela Educação, 2019b).  O que observamos hoje no Brasil é, portanto, um cenário distante de uma equidade vertical no financiamento da Educação, como revela o gráfico abaixo, extraído de Todos Pela Educação (2018b), em que cada ponto representa um município brasileiro. No eixo intitulado “Recursos disponíveis para a Educação 2015 (R$)”, o que se tem é o Valor Aluno/Ano Total (VAAT) definido em Tanno (2017)[8]

Gráfico – Disponibilidade fiscal dos municípios brasileiros para investimento em Educação (R$ – 2015) por indicador de nível socioeconômico agregado das redes de ensino (2011/2013)

Fonte: Inep/MEC e Estudo Técnico nº 24/2017 – Conof/CD. Elaboração: Todos Pela Educação.

O Anuário Brasileiro da Educação Básica também revela que enquanto a disponibilidade de receitas vinculadas à Educação por aluno/ano é, em média, de R$ 3.428 no Maranhão, o valor alcança R$ 11.501 no Distrito Federal. No Estado de São Paulo, a média do indicador fiscal por aluno é de R$ 6.479. Em Sergipe, estado com melhor indicador no Nordeste, o valor por aluno é de R$ 4.631. O Anuário mostra ainda que as desigualdades são profundas dentro de cada Unidade da Federação. Em Minas Gerais, a diferença de valor aluno/ano entre os municípios é de 5,1 vezes (R$ 3.445 para R$ 17.593). Em Roraima, o estado mais homogêneo nesse indicador, o município mais rico possui 34% mais recursos por aluno que o município mais pobre.

O que se evidencia é que as desigualdades regionais de recursos financeiros para investimento em Educação mostram tendências semelhantes às desigualdades de riqueza e nos resultados de aprendizagem. Parte disso pode estar ligado ao fato de que municípios com menos recursos para investir na Educação Básica apresentam piores indicadores de infraestrutura básica escolar – o que, segundo a literatura internacional, está associado a piores condições de aprendizagem (Hanushek, Wößmann; 2007).

Através dos microdados de escolas do Censo Escolar 2018, procedemos uma análise dupla: em primeiro lugar, cruzamos os dados de um indicador de infraestrutura escolar básica nas escolas de ensino fundamental com os dados da classificação de nível socioeconômico das escolas, indicador disponibilizado pelo INEP/MEC. Na sequência, agregamos as informações das escolas por rede de ensino para identificar se há correlação entre a disponibilidade fiscal dos entes federativos e o indicador de infraestrutura básica escolar de suas redes.

O INEP classificou as escolas públicas brasileiras em seis clusters de nível socioeconômico – segundo o nível mais baixo e seis o maior nível socioeconômico (no qual as famílias que frequentam a escola têm melhor padrão de renda, consumo e melhores condições educacionais).

O indicador de infraestrutura básica é uma construção autoral a partir das informações do questionário do Censo Escolar. Assumimos como infraestrutura básica de Ensino Fundamental a existência de energia elétrica, água tratada (filtrada ou da rede pública), esgotamento sanitário (incluso fossa), biblioteca ou sala de leitura, banheiro dentro do prédio, sala de professor ou diretor, conexão à internet e quadra de esportes (coberta ou descoberta), em um indicador menos extensivo do que aquele disposto na Estratégia 7.18 do PNE e em Callegari (2015). Foram consideradas apenas as escolas municipais que oferecem Ensino Fundamental regular, com turmas comuns de anos iniciais ou anos finais.

Das 34.362 escolas da amostra com dados divulgados de INSE, 40,64% tinham em 2018 infraestrutura classificada como básica. Apenas 7 escolas da amostra eram do grupo 6 de nível socioeconômico, de forma que tal grupo foi retirado da análise.

Os dados produzidos, sistematizados na tabela e no gráfico abaixo, mostram que quanto maior o nível socioeconômico da escola, maior a chance de que esta tenha infraestrutura básica. Das 2.272 escolas do grupo 1, apenas 177 (7,8%) possuíam infraestrutura básica. No grupo 2, esse percentual sobe para 18,2%; no grupo 3, 39,6%; no grupo 4, 64,8%; e no grupo 5, 72,3%.

Tabela – Percentual de escolas com infraestrutura básica por grupo de nível socioeconômico (2018)

Grupo de nível socioeconômico (INSE) Total de escolas Escolas com infraestrutura básica % de escolas com infraestrutura básica
Grupo 1 2272 177 7,8%
Grupo 2 7412 1352 18,2%
Grupo 3 14638 5801 39,6%
Grupo 4 8282 5364 64,8%
Grupo 5 1751 1266 72,3%

Fonte: Microdados do Censo Escolar, Inep/MEC. Elaboração própria.

 

Gráfico – Percentual de escolas com infraestrutura básica por grupo de nível socioeconômico (2018)

Fonte: Microdados do Censo Escolar, Inep/MEC. Elaboração própria.

A análise permite compreender nitidamente que o Brasil oferece ensino de pior qualidade, em termos de insumos escolares, justamente para a população que mais precisa de Educação Básica potente para romper o círculo vicioso da pobreza.

Para a etapa de análise seguinte, utilizou-se os dados de disponibilidade fiscal por aluno (ou valor aluno/ano total, VAAT) de Tanno (2017), os mesmos dados disponibilizados no Anuário – que voltarão a ser discutidos no próximo capítulo. Os dados a seguir descritos contemplam as informações 5.138 municípios com dados nas duas bases.

Em primeiro lugar, dividimos os municípios em quartis de VAAT. O primeiro quartil compreende os municípios com VAAT entre R$ 2.911 e R$ 3.497,31. O segundo quartil contém os municípios com VAAT entre R$ 3.497,31 e R$ 4.334,23. O terceiro quartil, entre R$ 4.334,23 e R$ 5.112,83; acima desse valor, os municípios são classificados no quarto quartil.

A análise da tabela abaixo revela que a porcentagem de escolas com infraestrutura básica é menor em municípios de menores quartis de disponibilidade fiscal por aluno. Nos 25% municípios com menor VAAT, a porcentagem de escolas com infraestrutura básica é de 17,2%; no segundo quartil, 32,3%; no terceiro quartil, 52,4%; e no quartil mais elevado, 56,0%.

Tabela – Percentual de escolas com infraestrutura básica por quartil de VAAT 2015 dos municípios (2018)

Quartil de VAAT Percentual de escolas com infraestrutura básica
Quartil 1 – abaixo de R$ 3,5 mil 17,2%
Quartil 2 – entre R$ 3,5 mil e R$ 4,3 mil 32,3%
Quartil 3 – entre R$ 4,3 mil e R$ 5,1 mil 52,4%
Quartil 4 – acima de R$ 5,1 mil 56,0%

Fonte: Microdados do Censo Escolar, Inep/MEC. Elaboração própria.

Os dados analisados nessa subseção evidenciam, portanto, que há associação entre piores insumos educacionais, menor nível socioeconômico e menor disponibilidade fiscal para investimento em Educação. O que notamos, portanto, é uma ausência de equidade vertical no sistema de financiamento da Educação, o que está associado a um padrão de piores condições de infraestrutura em escolas que atendem estudantes de famílias mais pobres.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALLEGARI, Caio; GOMES, Maria Laura. A Equidade de aprendizagem no Ensino Fundamental da rede municipal de São Paulo entre 2011 e 2017. Revista Parlamento e Sociedade, v. 6, n. 10. São Paulo-SP. 2018.

HANUSHEK, Eric; WOESSMANN, Ludger. The Role of Educational Quality in Economic Growth. World Bank Policy Working Paper 4122. 2007.

TANNO, Claudio Riyudi. Universalização, Qualidade e Equidade na Alocação de Recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB): Proposta de Aprimoramento para a Implantação do Custo Aluno Qualidade (CAQ). Estudo Técnico nº 24/2017 da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Brasília-DF. 2017.

TODOS PELA EDUCAÇÃO. Anuário Brasileiro da Educação Básica: 2019. Ed. Moderna. São Paulo-SP. 2019.

 

[1] Lei nº 9.394, de 1996.

[2] A Lei nº 11.494/2007 trata de valores diferenciados para matrículas na zona rural (na comparação com a zona urbana), em educação especial, nas diferentes etapas e modalidades de ensino e em tempo integral (na comparação com o regime em tempo parcial.

[3] (Todos Pela Educação, 2019).

[4] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, aplicada desde 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

[5] Percentual de crianças e jovens de 6 a 14 anos matriculados no Ensino Fundamental.

[6] Percentual de jovens de 15 a 17 anos matriculados no Ensino Médio.

[7] Segundo métrica definida pelo movimento Todos Pela Educação.

[8] Soma das receitas disponíveis nos entes federativos para investimento em Educação, resultante das transferências recebidas do FUNDEB, do Salário-Educação e dos programas universais do MEC, além da receita vinculada à Educação que não é redistribuída pelo FUNDEB (como 25% do IPTU, ISS e ITBI e 5% do FPM).