É difícil imaginar tarefa tão complexa e necessária como enfrentar as profundas desigualdades do nosso país em matéria de Educação. A oferta de uma Educação efetivamente nacional, base para a formação cidadã de todo brasileiro e brasileira, é dever fundamental do nosso Estado e uma construção contínua que tem efetivamente avançado nas últimas décadas. Mas é nítido que ainda estamos distantes de garantir direitos educacionais básicos para a nossa população.

Há uma variedade de dados que tornam explícito nosso desafio educacional, a começar pelos 2 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola e do fato de que apenas 9% dos jovens que chegam ao final do Ensino Médio têm aprendizagem considerada suficiente em matemática. Mas é fundamental abrir os olhos também para a enorme iniquidade da Educação brasileira. Afinal, nosso sistema educacional é, segundo relatório recente do Pisa/OCDE, o mais desigual do mundo.

São numerosos abismos a serem fechados para garantirmos igualdade de oportunidades educacionais, entre eles as desigualdades socioeconômicas, de raça/ cor, gênero, localidade urbano-rural e territorial. A desigualdade territorial é assunto para o pacto entre nossos entes federativos. As relações entre União, estados e municípios são marcadas por oceanos de diferenças em termos de nível de atividade econômica e consequente arrecadação tributária.

Esse último ponto resulta em assimetria considerável em termos do provisionamento de políticas públicas para a população, particularmente na seara educacional. Nosso sistema de financiamento da Educação está baseado sobretudo na vinculação constitucional mínima de receitas tributárias (art. 212 da Constituição Federal). Essa configuração, importante para proteger a Educação e garantir previsibilidade de recursos, faz com que as desigualdades econômicas e tributárias se traduzam em desigualdades de financiamento da Educação.

Para diminuir as disparidades territoriais em matéria de financiamento, é fundamental que os entes federativos cooperem financeiramente em um sistema socialmente justo, em que entes mais ricos colaborem transferindo recursos para a Educação nos entes mais pobres. Foi justamente esse mecanismo “Robin Hood” que o Brasil construiu em meados da década de 90 com o Fundef, substituído em 2007 pelo Fundeb. Essas políticas de fundos contábeis redistributivos permitiram um fluxo equilibrador de recursos entre os entes de cada unidade da federação, somado a uma complementação da União para aproximar as capacidades financeiras interestaduais.

O resultado do Fundeb foi reduzir em mais da metade a desigualdade do financiamento educacional entre o conjunto de entes federativos brasileiros. Por si só, esse dado advoga por uma continuidade da política, que atualmente tem vigência apenas até o final de 2020. As diferenças no financiamento que permanecem, contudo, ainda são gigantescas e inaceitáveis na perspectiva da construção de uma Educação nacional.

Desigualdades nas condições de oferta de ensino são observadas entre regiões, entre estados e mesmo entre municípios de cada unidade da federação. Os dados disponíveis mostram que os municípios do Nordeste têm em média R$ 3,5 mil por aluno/ano para investir, enquanto entre os municípios da região Sul do país a média é 58% maior (R$ 5,5 mil). No Norte, a média é de R$ 4,0 mil, enquanto no Centro-Oeste e no Sudeste as médias atingem R$ 5,1 mil. As oportunidades educacionais, definitivamente, não estão equalizadas entre as regiões do país.

Quando olhamos com lupa dentro da região Norte, vemos que o estado do Amazonas tem apenas R$ 3,8 mil para investir por aluno/ano, enquanto seu vizinho Roraima conta com R$ 5,8 mil por aluno/ano. Nacionalmente, temos um cenário tal em que o Distrito Federal possui R$ 11,5 mil por aluno/ano, valor que é o triplo do Maranhão, R$ 3,4 mil.

O efeito principal do Fundeb foi de uma redução – em grande magnitude – da desigualdade dentro das unidades da federação, mais do que entre elas. Porém, todos os estados brasileiros ainda apresentam expressivas desigualdades internas. No estado mais homogêneo do país nesse aspecto, Roraima, a diferença entre maior e menor valor de investimento por aluno é de 30%. Essa diferença atinge 410% em Minas Gerais, onde há um município com R$ 4,2 mil por aluno/ano e outro com R$ 17,6 mil.

A mensagem mais clara desses dados é a necessidade urgente de uma revisão do pacto federativo educacional que tenha como pedra angular a maior cooperação financeira entre os entes federativos do país. O desenho atual do Fundeb mostra-se parcialmente exitoso, devendo ser potencializado para reduzir as desigualdades de financiamento, tanto entre as unidades da federação como dentro delas, com participação cooperativa maior da União, dos governos estaduais e dos governos municipais.

Uma correção das distorções atuais do nosso sistema de financiamento precisa ter como foco o estudante brasileiro e a construção de uma Educação nacional. Respeitando os fundamentos do federalismo brasileiro e com base em modificações exequíveis, esse é o momento de um capítulo de equidade na Educação do país, consequência da colaboração interfederativa para garantir direitos educacionais básicos para todas as nossas crianças e os nossos jovens.

 

Artigo publicado na revista “Colaboração” – ano 2, nº 3, de junho de 2019