* – Publicado originalmente no blog De Olho na Educação, em 12 de julho de 2017.

 

Os resultados educacionais da última Prova Brasil (2015) trazem com nitidez o persistente e alarmante cenário de desigualdades na Educação Básica brasileira. Um levantamento do movimento Todos Pela Educação, com base em dados da avaliação, mostra que, no 9º ano do Ensino Fundamental na rede pública, a taxa de aprendizado adequado em matemática é 22 vezes maior entre os alunos de nível socioeconômico muito alto em comparação com os estudantes de nível socioeconômico muito baixo – os percentuais são, respectivamente, 58,2% e 2,5%. Para reduzirmos essas desigualdades é necessário avançarmos nas estratégias previstas no Plano Nacional de Educação (PNE), dentre elas, duas relacionadas à garantia financeira de padrões mínimos de qualidade da Educação: o Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi) e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ). Esses instrumentos estão preconizados, respectivamente, nas Estratégias 20.6 e 20.8 do PNE – a primeira com prazo de cumprimento em junho de 2016 e a segunda em junho de 2017.

A relevância desses instrumentos como referências para políticas de equidade fica evidente quando constatamos que essa enorme disparidade de desempenho não é resultado somente das condições socioeconômicas das famílias. Enquanto 93,6% das escolas de Ensino Fundamental que atendem os alunos mais ricos têm biblioteca ou sala de leitura, este espaço importante para a aprendizagem está disponível em apenas 27,2% das escolas de Ensino Fundamental que atendem os alunos mais pobres, de acordo com os dados do Censo Escolar 2016 analisados pelo Todos Pela Educação para o Observatório do PNE.

A diferença também é marcante entre os estados do País. O serviço de esgotamento sanitário, outro item estabelecido como parte da infraestrutura escolar adequada pelo PNE (em sua estratégia 7.18), está presente em 96,2% dos estabelecimentos público de Ensino Médio do estado de São Paulo, enquanto nas maranhenses essa taxa é de somente 14,1%.

A desigualdade de resultados e insumos também guarda relação com os recursos à disposição das redes para investir em suas escolas. As redes de ensino em São Paulo recebem do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) um valor por estudante 24,8% superior ao recebido pelas redes maranhenses*. É importante dizer que, embora a dinâmica do Fundeb permita a existência dessa forte desigualdade interestadual, seus mecanismos (em particular a complementação da União) têm efeitos equalizadores potentes. Sem a complementação da União, o valor investido por estudante em São Paulo seria 128,1% superior ao indicador do Maranhão.

Embora o Fundeb seja uma política redutora de desigualdades educacionais, ele ainda não é capaz de garantir recursos suficientes para que as redes ofereçam condições de ensino de qualidade com equidade. É justamente essa a proposta do CAQi e do CAQ. O primeiro é o instrumento previsto para assegurar o montante financeiro – calculado por escola e por estudante – necessário para que um estabelecimento possa oferecer insumos educacionais mínimos: infraestrutura adequada, professores com formação e remuneração adequadas à etapa de ensino, material didático e tamanho adequado das turmas, correspondendo a um padrão minimamente aceitável. O segundo seria a evolução do primeiro, um mecanismo para viabilizar condições financeiras para um padrão educacional desejável de insumos, ancorado na realidade das nações desenvolvidas.

Ambos já deveriam estar definidos a esta altura da implementação do plano. Contudo, não há documentos oficiais do governo que detalhem o desenho instrumento, e os debates sobre a matéria pouco avançaram desde que o PNE foi sancionado.

O CAQi continua tendo como proposta-base o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) CEB/CNE nº8/2010, que não foi homologado pelo Ministério da Educação (MEC) devido a críticas técnicas apresentadas à época: falta de um conceito nacional de qualidade e de um padrão mínimo de qualidade estabelecido; não-consideração de diferentes dimensões dos estabelecimentos escolares; falta de memória de cálculo e de referência em custos oficiais; indexação inadequada, considerando somente a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) per capita. Tais apontamentos de inadequação e de necessidade de estudos adicionais foram reafirmados por relatório da SASE/MEC em 2015.

Desde então, duas ações deram seguimento ao processo de regulamentação do CAQi: o CNE montou uma subcomissão para tratar desses instrumentos e, no final de 2016 e o MEC publicou portaria para instituir uma instância de negociação que tem como primeira pauta o CAQ/CAQi. A falta de resultados concretos e públicos desses esforços, entretanto, mostra que é preciso impulsionar a atuação governamental no sentido de elaborar uma proposta suficientemente robusta e consensual.

O tema ganhou novamente relevo diante da tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 015/2015, que visa tornar o Fundeb permanente. Nas audiências da Comissão Especial que discute essa PEC, muitos especialistas têm advogado por um aprimoramento no texto legal para que se utilize o CAQi como valor mínimo do Fundeb. Essa possibilidade só torna mais premente a definição do desenho desse instrumento, corrigindo as deficiências previamente apontadas.

Há caminhos a serem trilhados nesse sentido. Em primeiro lugar, antes da definição de custo financeiro por estudante, é preciso que o MEC e o CNE construam uma matriz de Parâmetros Nacionais para a Qualidade da Oferta da Educação Básica (o que já existe no âmbito da Educação Infantil), previstos na estratégia 7.21 do PNE. Esses Parâmetros deverão ser a referência para o levantamento de custos de um padrão mínimo de insumos, o que demanda um esforço ágil de pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para verificação dos custos reais das diferentes etapas e modalidades de ensino, nas diferentes regiões do país. Vale, nesse sentido, instituir uma estrutura interinstitucional para realização contínua de pesquisas de custo, dando conta da necessidade posterior de atualizações.

Por fim, é fundamental que as diferentes instâncias do Executivo responsáveis pela Educação, em articulação com os órgãos representativos dos gestores educacionais e de participação democrática na Educação, elaborem um plano detalhado de implementação primeiro do CAQi e na sequência do CAQ. O primeiro passo é aprimorar os desenhos dos instrumentos, retificando os pontos problemáticos da proposta atual, com base em parâmetros consensuais e levantamentos oficiais de custos. Ato contínuo, é preciso definir a forma como esses instrumentos serão referências efetivas para as redes, visando garantir recursos necessários para atingirmos uma Educação de qualidade com equilíbrio financeiro dos entes federados e a assistência técnica para fortalecimento da gestão de recursos. É com esse suporte que poderemos dar, adequadamente, esses passos fundamentais e urgentes para ampliar a equidade no sistema educacional brasileiro.

 

*- Considerando a totalidade de recursos investidos em Educação, as Prefeituras paulistas investem em média 144% a mais por alunos que as Prefeituras maranhenses. (Fonte: Relatório GT-CAQ 2015/Sase/MEC) – dados de 2013