* – Artigo originalmente publicado no Anuário Brasileiro da Educação Básica 2017.

 

Em junho de 2016, um mês após a posse da gestão Temer, o Governo Federal apresentou à Câmara dos Deputados uma primeira medida de ajuste fiscal: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 241/2016 – popularmente conhecida como “PEC do Teto” –, que enunciava o estabelecimento de um limite por 20 anos para a expansão dos gastos federais. Tramitando em ritmo acelerado no Congresso Nacional, o projeto ganhou centralidade na pauta política brasileira e desencadeou um amplo e disputado debate na sociedade.

No campo educacional, não foi diferente. O cenário de potencial restrição dos gastos federais em políticas educacionais trouxe à tona três argumentos que arregimentaram defensores:

• de um lado, vigorava a visão de que a PEC tal como havia sido elaborada era necessária devido ao complicado panorama fiscal e de que não havia riscos para a Educação nacional;
• de outro, prevalecia o argumento de que os investimentos federais em Educação já estavam em patamar suficiente e de que a PEC poderia levar a uma racionalização dos gastos;
• de um terceiro, estruturava-se a visão crítica à proposta, seja por sua inconstitucionalidade, seja pela perspectiva de que era necessário proteger – excetuando das mudanças da PEC – áreas sociais de investimento estratégico, como a Educação.

O debate só arrefeceu com a aprovação da PEC como Emenda Constitucional nº 95/2016, em outubro do mesmo ano, mas os novos contornos do financiamento de políticas sociais prenunciam o retorno da discussão sobre os riscos do teto a cada elaboração do orçamento federal pelo me nos nos próximos 10 anos. O expediente utilizado pela EC nº 95/2016 é o estabelecimento, ao longo dos próximos 20 anos,  de um limite anual para as despesas primárias totais dos poderes federais (Executivo, Legislativo e Judiciário). Ou seja, só se poderá gastar por ano o mesmo valor da despesa do ano anterior,
ajustado pela inflação do período. Assim, as despesas ficarão congeladas em termos reais por duas décadas¹.

Além de estabelecer o teto de gastos federais por 20 anos, a EC nº 95/2016 também altera o texto constitucional reformulando as vinculações orçamentárias mínimas para as pastas da Saúde e da Educação. O mínimo deixa de ser
definido como uma parcela da receita líquida de impostos e passa a ser reajustado ano a ano pela inflação.

É justamente nesse ponto que reside parte importante do debate sobre os efeitos da emenda sobre a Educação. Alguns defensores da mudança afirmam que há uma proteção maior ao setor, ao se vincular o mínimo constitucional à inflação, que foi maior que o avanço da receita de impostos da União nos anos de 2014, 2015 e 2016 (anos de crise). Contudo, de acordo com a Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Conof/CD), o crescimento da receita líquida de impostos será superior à inflação já em 2017 e assim continuará ao longo do prazo estabelecido pela EC.

A previsão, portanto, é de que o mínimo de investimento em MDE (Manutenção e Desenvolvimento do Ensino) seja inferior ao que seria sob a regra anterior durante todo esse período de vigência da EC. Segundo a projeção da Conof/CD, em 2025 o investimento mínimo em MDE com a PEC seria menor em R$ 13,4 bilhões em relação ao que poderia, caso fosse mantido o mínimo constitucional de 18%.

Outro risco considerável para a Educação trazido pela emenda diz respeito ao potencial  efeito do teto de gastos federais. O cenário é de um cabo de guerra: como o teto não se aplica individualmente à Educação, mas ao somatório de todas as áreas, uma ampliação de recursos além da inflação para uma determinada pasta levará necessariamente a um orçamento reajustado abaixo da inflação no conjunto dos outros setores do governo. Portanto, há a possibilidade de que a Educação seja preservada mediante uma barganha política, mas há também a chance de um horizonte negativo em que se impõe uma perda real de recursos para a Educação caso a pressão de outros setores seja mais potente.

Ao tomar como referência para análise um teto homogêneo para todas as áreas do orçamento, com reajuste máximo pela inflação em todas elas (ou seja, estagnação real), o resultado poderá ser bastante grave para a Educação. Aplicando as
projeções do Conof/CD em um dos cenários possíveis², o reajuste apenas pela inflação levaria ao valor de R$ 105 bilhões como investimento máximo em MDE pelo governo federal em 2028. Nesse mesmo ano, se fosse mantida a regra de
aplicação mínima de 18% das receitas líquidas de impostos, o investimento mínimo seria da ordem de R$ 108,5 bilhões.

Ou seja, a EC nº 95/2016 levaria, nesse cenário, ao estabelecimento de um máximo de investimento abaixo do que seria o mínimo com a regra anterior. Nessa projeção, em 2036 (último ano de vigência da EC), o governo federal estaria investindo no máximo 11,8% das receitas líquidas de impostos em MDE – e no mínimo 9,3% (veja gráfico abaixo). Frente à vinculação mínima de 18%, a perda seria de pelo menos R$ 77,9 bilhões em 2036. No agregado de 2028 a 2036, a perda seria de pelo menos R$ 302,2 bilhões. A potencial compressão de recursos da União irá atingir principalmente as despesas discricionárias
do Ministério da Educação, como aquelas destinadas ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), às bolsas de apoio à docência do PIBID e ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic).

Fonte: Conof/CD e relatório Focus/Bacen. Elaboração: Todos Pela Educação.

Os cenários são incertos, mas os números reforçam o alerta de que o governo federal poderá diminuir o investimento em Educação para um patamar mais baixo que o de hoje. A questão, porém, é que não há consenso de que o investimento da
União na Educação possa ser considerado baixo.

A defesa da suficiência de recursos públicos para a Educação se baseia, sobretudo, no dado de investimento público total em Educação (Básica e Superior) como percentual do Produto Interno Bruto (PIB). Esse indicador alcançou 6,0% do PIB em 2014 no Brasil, enquanto a média nos países da OCDE em 2013 foi de 4,5% do PIB. Dos 35 países que compõem a OCDE, apenas Noruega (6,2%) e Dinamarca (6,1%) superam o indicador brasileiro.

A comparação, contudo, não considera a relação entre população de estudantes e o PIB dos países. O Brasil possui um PIB relativamente pequeno para seu grande contingente de estudantes. Quando comparamos os investimentos por estudante, fica patente a imensa distância entre o Brasil e os países da OCDE – a média nesses países é 156,7% maior que o indicador brasileiro considerando os anos finais do Ensino Fundamental ao Ensino Médio. O Brasil ainda está muito distante do patamar desejável de investimento por aluno – ver Tabela 1 ao final do texto.

É imperativo ainda considerar outro aspecto para compreender a razão pela qual a situação do financiamento educacional, com a aprovação da EC nº 95/2016, tornou-se alarmante: o Brasil está mais distante da Meta 20 do Plano Nacional de Educação, que estabelece que o investimento público em Educação pública (investimento direto) deve chegar a 7% do PIB
em 2019 e 10% em 2024. De 2013 para 2014, o indicador caiu 0,06 pontos percentuais e a perspectiva para 2015 e 2016 é de aprofundamento do retrocesso, uma vez que a arrecadação de impostos recuou mais que o PIB –  ver Tabela 2 ao final do texto.

Quando se avalia a estatística mais recente da distribuição do investimento público direto por esfera de governo, é possível verificar que a União teria mais condições de empreender o esforço de avanço no investimento, pois contribui com apenas 18% do financiamento da Educação pública, frente a uma arrecadação de aproximadamente 70% dos impostos. Com a EC nº 95/2016, o País institui um obstáculo para que a União possa expandir sua atuação, a qual tem potencial para ser um forte indutor do cumprimento das metas do PNE – principalmente nos aspectos de qualidade e equidade.

Contudo, o prognóstico atribulado para o financiamento público não sentencia o retrocesso educacional nem o ocaso do PNE. Há alternativas abertas pela própria EC nº 95/2016 para o quadro de potencial subfinanciamento. De acordo com o inciso I do § 6º do novo Art. 102 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), fica excetuada do teto de gastos federais a complementação da União aos estados e municípios no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
ção Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Essa complementação está hoje no patamar mínimo instituído pela Lei do Fundeb, tendo  atingido o montante de R$ 11,7 bilhões em 2017 – menor valor em termos reais da série histórica. A complementação ao Fundeb surge como espaço desejável para injeção de recursos de uma eventual bonança econômica, sem que se incorra em ato de improbidade administrativa pela não-observação da EC nº 95/2016. Embora o Fundeb ainda não seja um mecanismo perfeito de redistribuição de recursos e de indução de avanços educacionais, um aporte ampliado na complementação da União permitiria ampliar a equidade do sistema educacional básico, uma vez que o montante seria destinado aos estados
com menores valores aluno/ano no Fundeb (art. 4º da Lei 11.494/2007).

O soar do alerta para o financiamento educacional público coloca o País frente a uma necessária reflexão. Precisamos evitar os riscos trazidos pela EC nº 95/2016 e garantir o avanço do investimento no futuro de nossas crianças e jovens. É fundamental também que esse investimento seja cada vez mais bem gerido para  impulsionar a qualidade e a equidade do nosso sistema. As duas coisas devem ocorrer simultaneamente. O momento de crise fiscal coloca para a dinâmica das políticas públicas uma fase inevitável de identificação de gargalos, mas não se pode de forma alguma asfixiar a Educação por
falta de recursos, sob a ameaça de nos afastarmos ainda mais da concretização do direito a um ensino de qualidade.

 

Notas:

¹ –  A partir do 10º ano de vigência do mecanismo da EC, há a possibilidade de revisão das regras, uma vez a cada mandato
presidencial.

² –  Inflação na meta de 4,5% e mesma trajetória de crescimento das receitas projetada pela Conof/CD.

 

TABELA 1 – Gasto anual por estudante, por etapa – 2013
Gasto anual por estudante, por etapa – 2013
Em dólares convertidos pela paridade do poder de compra
Em dólares convertidos pela paridade de poder de compra
Ensino Fundamental ao Superior Anos iniciais do Ensino Fundamental Anos finais do Ensino Fundamental ao Ensino Médio Ensino Superior
Luxemburgo³ 21.320 17.959 19.762 40.933
Suíça³ 19.052 15.930 18.994 25.126
Estados Unidos 15.720 10.959 12.740 27.924
Noruega 15.466 13.274 15.283 20.379
Áustria 14.361 10.780 15.024 16.695
Reino Unido 13.613 10.669 12.200 25.744
Suécia 13.072 10.664 11.354 23.219
Canadá¹ ³ 12.967 9.130 21.458
Bélgica 12.407 9.957 12.763 15.911
Dinamarca 12.294 11.355 10.933 16.460
Holanda 12.247 8.371 12.269 18.947
Alemanha 11.545 8.103 11.106 16.895
Japão 11.309 8.748 10.273 17.883
Finlândia 11.221 8.519 10.237 17.868
Austrália 11.169 8.289 10.932 18.337
França 10.907 7.201 11.482 16.194
Média da OCDE 10.493 8.477 9.811 15.772
Islândia 10.067 10.569 9.041 11.256
Irlanda³ 10.065 8.002 10.804 13.663
Nova Zelândia 10.045 7.354 10.198 14.585
Eslovênia 9.597 9.121 8.739 12.064
Itália³ 9.238 8.392 9.023 11.172
Portugal 9.218 7.258 10.074 11.106
Espanha 8.755 6.956 8.520 12.604
Coréia do Sul 8.658 7.957 8.592 9.323
Estônia 8.107 7.138 6.417 11.607
Israel 7.840 6.941 5.831 15.185
República Tcheca 7.493 4.730 7.861 10.432
Polônia 7.195 6.919 6.505 8.929
Eslováquia³ 6.735 5.942 5.795 10.321
Letônia 6.526 5.974 6.010 8.193
Lituânia 6.027 5.079 4.826 8.697
Rússia 5.999 5.100 8.483
Hungria 5.591 5.435 4.236 9.980
Chile² 5.092 4.021 4.127 7.642
Turquia 4.482 2.894 3.590 10.637
Brasil³ 4.318 3.826 3.822 13.540
México 3.387 2.717 3.065 7.568
Colômbia 3.165 2.074 2.835 6.391
Indonésia 1.209 1.184 984 2.094
Fonte: OCDE – Education at a Glance – 2016.
Nota: 1. Ano de referência: 2012.
2. Ano de referência: 2014.
3. Somente instituições públicas (para a Itália, exceto na educação terciária; para Canadá, Eslováquia e Luxemburgo, apenas na educação terciária)

 

TABELA 2 – Investimento Público Direto em Educação em % do PIB
Estimativa do Percentual do Investimento Público Direto em Educação em Relação ao Produto Interno Bruto (PIB), por Nível de Ensino – Brasil 2000-2014
Ano Percentual do Investimento Público Direto em relação ao PIB
(%)
Todos os Níveis de Ensino Níveis de Ensino
Educação Básica Educação Infantil Ensino Fundamental Ensino Médio  Educação Superior
De 1ª a 4ª  Séries ou Anos Iniciais De 5ª a 8ª  Séries ou Anos Finais
2000 3,9 3,2 0,3 1,3 1,0 0,5 0,7
2001 4,0 3,3 0,3 1,2 1,1 0,6 0,7
2002 4,1 3,3 0,3 1,4 1,1 0,4 0,8
2003 3,8 3,1 0,3 1,3 1,0 0,5 0,7
2004 3,8 3,2 0,4 1,3 1,1 0,4 0,6
2005 3,9 3,2 0,3 1,3 1,1 0,4 0,7
2006 4,2 3,6 0,3 1,4 1,3 0,6 0,7
2007 4,4 3,7 0,4 1,4 1,3 0,6 0,7
2008 4,6 3,9 0,4 1,5 1,4 0,6 0,7
2009 4,8 4,1 0,3 1,6 1,5 0,6 0,7
2010 4,9 4,1 0,4 1,6 1,5 0,7 0,8
2011 5,0 4,2 0,4 1,5 1,4 0,9 0,8
2012 5,0 4,3 0,5 1,5 1,3 0,9 0,8
2013 5,1 4,3 0,5 1,5 1,3 0,9 0,8
2014 5,0 4,2 0,6 1,4 1,3 0,9 0,8
Fonte: Inep/MEC – Tabela elaborada pela Deed/Inep.
Notas
1 – Utilizaram-se os seguintes grupos de Natureza de Despesa: Pessoal Ativo e Encargos Sociais; outras Despesas Correntes; Investimentos e Inversões Financeiras;
2 – Não se incluem nestas informações as seguintes despesas: aposentadorias e reformas, pensões, recursos para bolsa de estudo e financiamento estudantil, despesas com juros e encargos da dívida e amortizações da dívida da área educacional e a modalidade de aplicação: Transferências Correntes e de Capital ao Setor Privado;
3 – Os investimentos em Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos e Educação Indígena foram distribuídos na Educação Infantil, no Ensino Fundamental anos iniciais e anos finais e no Ensino Médio, dependendo do nível de ensino ao qual fazem referência. No Ensino Médio estão computados os valores da Educação Profissional (concomitante, subsequente e integrado);
4 – A Educação Superior corresponde aos cursos superiores em Tecnologia, demais cursos de Graduação (Presencial e a distância) (exceto cursos sequenciais) e cursos de pós-graduação Stricto Sensu – Mestrado, Mestrado Profissional e Doutorado (excetuando-se as especializações Lato Sensu);
5 – Estes dados referem-se aos investimentos em educação consolidados do Governo Federal, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios;
6 – Para os anos de 2000 a 2003, estão contabilizados na área educacional, os valores despendidos pelo Governo Federal para o Programa Bolsa-Escola;
7 – Entre os anos de 2000 e 2005: para os dados estaduais, foi utilizada como fonte de informações, um trabalho técnico realizado pelo Inep diretamente dos balanços financeiros de cada estado; para os dados municipais do mesmo período, utilizou-se uma metodologia baseada no percentual mínimo de aplicação de cada município, definido pela legislação vigente;
8 – A partir de 2006, utilizaram-se como fontes de dados estaduais e municipais, o Sistema de Informações sobre Orçamento Público em Educação – Siope -, administrado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE;
9 – Os dados da União foram coletados do Sistema Integrado de Administração Financeira – Siafi/STN – para todos os anos;
10 – Para o cálculo dos valores de Investimentos Públicos em Educação, utilizaram-se  as seguintes fontes de dados primários:
– Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep/MEC; – Secretaria do Tesouro Nacional (STN); – FNDE; – Balanço Geral dos Estados e do Distrito Federal; – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); – Caixa Econômica Federal (CEF); – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq);