No dia 21 de Maio de 2016, o Grupo de Estudos Econômicos em Educação da USP realizou sua primeira reunião temática, um encontro formativo para que os membros do Grupo debatessem o cenário do financiamento da Educação brasileira. Em pauta, a polêmica questão que costuma dividir os estudiosos da área: diante dos desafios educacionais do país, precisamos de mais recursos ou de mais eficiência?

Essa aparente dicotomia volta à tona ano após ano, nas ocasiões de divulgação de “novos” dados – os quais costumam ser bastante defasados. Os dados oficiais mais atuais do financiamento da Educação brasileira datam de 2013: um investimento público direto de 5,2% do PIB, mesmo patamar da média dos países da OCDE. Essa face das estatísticas serve de argumento para os especialistas que costumam defender que não necessitamos de mais recursos e sim de mais eficiência no uso dos montantes atualmente à disposição; afinal, os países desenvolvidos possuem melhores índices de qualidade educacional e em média investem em Educação a mesma proporção de riquezas do país.

Do outro lado, o dado de investimento público por aluno revela que o Brasil investia em 2013 apenas 41,2% do investimento médio dos países da OCDE. Isso está relacionado ao fato de que a população em idade escolar no Brasil é relativamente maior que nos países desenvolvidos – o efeito da pirâmide demográfica. Quando observamos os investimentos realizados apenas na Educação Básica (creche ao Ensino Médio), a proporção é ainda mais díspar: o investimento por aluno brasileiro é apenas um terço do investimento médio dos países da OCDE. Nesses termos, o quadro evidenciaria portanto a necessidade de mais recursos para a Educação brasileira – principalmente para a Educação Básica.

Raramente esse debate chega a uma síntese. Contudo, ao final de um rico processo de quatro anos (2010-2014) de elaboração do Plano Nacional de Educação, o país definiu um posicionamento sobre o tema. Por meio da Lei nº 13.005/2014, instituiu-se a meta de ampliar o investimento público em Educação pública de forma a atingir, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB até 2024. O discurso vencedor do longo confronto de ideias que envolveu democraticamente a sociedade civil foi, portanto, o da necessidade de “mais recursos”. A bandeira da eficiência, embora não esteja em destaque no texto da meta, não foi deixada totalmente de lado, sendo tema de múltiplas estratégias para o cumprimento do objetivo enunciado pelo Plano.

A definição, importante dizer, não se tratou de um consenso. Muitos consideram que a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação de 10% do PIB investido em Educação pública em 2024 é uma irresponsabilidade. É uma bandeira que marca a maior importância que deve ser dada orçamentariamente à Educação, mas não há qualquer sinalização de onde sairá recurso para atingir a meta. Seria mais adequado deixar explícito uma porcentagem de impostos. Pelo menos assim haveria segurança da fonte de recursos.

Além disso, ainda que o marco de 10% do PIB seja fruto de um cálculo feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação de quanto deveria ser investido por aluno para atingir um patamar desejável de qualidade do ensino, não há indícios de que tal ampliação de gastos garanta a necessária melhoria das condições de aprendizagem. O Brasil ampliou consideravelmente (em termos reais) o investimento por aluno nas etapas da Educação Básica e não obteve grandes avanços em matéria de qualidade. Por exemplo, no Ensino Médio o investimento saltou de R$ 2.420,74 para R$ 5.546,36 entre 2007 e 2013 – e houve diminuição da porcentagem de jovens do 3º ano do Ensino Médio com aprendizagem adequada, no mesmo período.

Mas mesmo que não haja uma evidente tradução de mais recursos em maior qualidade, a necessidade de maiores investimentos em Educação torna-se patente diante de alguns dados estatísticos. Por exemplo, os dados mais recentes da Pnad/IBGE apontam que em 2014 os professores tinham renda de aproximadamente metade do que recebiam em média os outros profissionais com mesmo nível de escolaridade. Com o salário baixo, professores têm a necessidade de lecionar para mais turmas em mais escolas, ocasionando em sobrecarga que piora a qualidade da docência. Em 2014, 21,7% dos docentes da Educação Básica trabalhavam em mais de um estabelecimento de ensino. É preciso ter em mente que são os professores do presente que educarão e prepararão os professores do futuro.

Além disso, há alguns desafios educacionais do século XX ainda não cumpridos pelo país. Na década de 90, a falta de qualidade educacional era o não-acesso à Educação. Avançamos muito, principalmente na faixa etária de 6 a 14 anos. Mas ainda são 2,8 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola no Brasil. Para completar a agenda da universalização, são necessários programas de busca ativa e para tornar a escola mais atrativa, que naturalmente demandam recursos. Um dos quadros que tornam mais clara essa necessidade é o da infraestrutura escolar: em 2015, somente 4,5% das escolas públicas da Educação Básica possuíam infraestrutura adequada – energia elétrica, água tratada, esgoto sanitário, Internet banda larga, laboratório de ciências, quadra de esportes, biblioteca/sala de leitura.

Porém, nem todas as soluções propostas para nossos gargalos passam por mais recursos públicos. Uma das alternativas é a abertura de espaço para Parcerias Público-privadas (PPPs), potencialmente possibilitando expandir o nível de investimento com recursos privados. Um exemplo de PPP são as uncommon schools, escolas que tiveram grandes melhorias nos resultados de aprendizagem nos EUA. Todas estão estabelecidas em zonas de risco, com elevada pobreza e criminalidade. Com método de ensino altamente rígido e disciplinador, lograram fazer com que estudantes alcançassem bons níveis de matemática e língua inglesa, abrindo oportunidades de Educação Superior e trabalho que não teriam antes.

Mas métodos como as uncommon schools levam a melhores resultados educacionais, considerando a Educação que desejamos, e não apenas scores em testes padronizados? Qual é o custo social desses modelos de ensino? Que jovens estamos formando? O debate sobre a validade das PPPs passa pela importante discussão de qual é o papel da Educação – abordada na segunda reunião formativa do Grupo de Estudos.

Deixando para depois o longo debate sobre a alternativa privada, há muito o que se pensar para otimizar os recursos atualmente à disposição. A melhoria da qualidade do investimento pode ocorrer paralelamente – ou melhor, conjuntamente – à busca de novos recursos para financiar as políticas educacionais, fazendo assim que cada centavo investido gere maior retorno aos educandos. O próprio investimento em infraestrutura, exemplo já citado, pode não ser suficiente para elevar a qualidade do ensino, sem não houver garantia do bom uso e manutenção desses insumos. Como ilustração, vale lembrar que durante o período de ocupações de escolas estaduais de São Paulo contra a reorganização escolar, muitos estudantes relataram terem descoberto materiais didáticos e computadores ainda embalados – sem terem, portanto, realmente chegado na sala de aula.

Por vezes, maiores recursos à disposição nem sequer são traduzidos em insumos. É o que mostra a pesquisadora da FGV Joana Monteiro, argumentando que municípios beneficiados por royalties do petróleo (maiores recursos para a Educação) não melhoraram a sua oferta de insumos educacionais e assim não tiveram avanços em termos de resultados em testes padronizados.

Uma das características do investimento educacional é que há um deadline para uso dos recursos. E quando se está perto do prazo, gestões educacionais gastam indiscriminadamente, sem atentar para o que é gasto necessário e o que é gasto supérfluo. Hoje não há responsabilização pelo uso de recursos. Nenhum arcabouço legal coloca a exigência de que o dinheiro seja bem gasto em Educação. O único tribunal, ao fim e ao cabo, são as eleições para os cargos do Executivo.

Na verdade, não há nenhum sistema aberto de monitoramento de como o gasto é realizado. Como a sociedade pode acompanhar e ensejar maior eficácia do gasto, se não há informação? Problemas de gestão também envolvem escolhas de diretores por motivos políticos, sem seleção de qualidade. Além de que muitas vezes não há infraestrutura mínima para uma boa gestão. Nesse cenário, seria positiva uma maior autonomia das escolas ou seria melhor ampliar o poder de intervenção da administração central? O debate é bastante amplo, uma vez que pode ensejar inovação e melhoria da eficiência, mas por outro lado é mais difícil estabelecer a garantia do padrão mínimo de qualidade – o que por sua vez demanda complementação de recursos para realidades mais vulneráveis.

Sem querer esgotar a discussão sobre o financiamento da Educação brasileira, cujos múltiplos contornos permitem a discussão dos atuais rumos de políticas educacionais do país, o Grupo de Estudos Econômicos em Educação da USP coloca para reflexão um modelo que potencialmente poderia qualificar um cenário do ensino básico em que se faz necessário tanto mais recursos quanto maior eficiência do gasto – que devem ser garantidos de forma indissociável. O desafio é seguir tanto à lógica do não-desperdício quanto à necessidade de imprimir maior equidade no sistema educacional básico brasileiro, além da dificuldade clara de obter fontes orçamentárias para sua efetivação.

O modelo passa pela injeção de recursos para projetos específicos das escolas mais vulneráveis (via Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE), solucionando deficiências gritantes que ainda existem no país e que são observáveis através do atual sistema de dados. O modelo também deve garantir os recursos mínimos para alcançar o padrão mínimo de qualidade em cada rede, através do dispositivo do Custo Aluno Qualidade inicial – CAQi – previsto no PNE em elaboração pelo MEC. Nesse modelo, as redes e as escolas teriam autonomia para gerir esses recursos, com uso intensivo da tecnologia para sistemas e instrumentos de gestão, obedecendo porém à Lei de Responsabilidade Educacional (LRE – tramitando no Congresso) e participando de programas federais específicos para garantia de qualidade mínima dos insumos educacionais – magistério incluso. Tal desenho precisaria estar definido no Sistema Nacional de Educação (SNE – em elaboração no MEC), o qual deverá irá reger os deveres de cada ente federativo, incluindo: a possibilidade de interferência do Governo Federal em gestões que, apesar dos recursos à disposição, não estão entregando resultados mínimos; e bonificações para práticas educacionais exitosas (considerando trajetória positivas), a serem definidas pelo conjunto da sociedade.

Texto elaborado a partir da discussão realizada na reunião temática “Financiamento da Educação: mais recursos ou mais eficiência?”, organizada pelo Grupo de Estudos Econômicos em Educação da USP no dia 21 de Maio de 2016.