O fracasso escolar é um fenômeno social recorrente na vida de milhões de jovens brasileiros, um drama sistêmico na educação do país. Para enfrentá-lo, o Brasil precisa desenvolver uma estratégia educacional que explore o potencial criativo do principal agente do ensino: o próprio estudante.

A função primordial da escola, como instituição social, é o empoderamento do jovem de modo a transformá-lo em um cidadão protagonista, por meio dos conhecimentos produzidos pelas gerações anteriores e da análise crítica sobre a realidade vivida. O fracasso escolar, assim, é representado pela produção, após um ciclo de pelo menos 12 anos de frequência à escola, de indivíduos desprovidos do ferramental elementar nas diversas áreas do conhecimento e impotentes para aprimorar efetivamente a comunidade em que vivem.

Diante do desafio de engendrar no jovem a criação de um partícipe ativo e propositivo da sociedade, diversos desenhos de políticas podem ser traçados para alcançar o “êxito escolar” em todo o sistema educacional. Um caso bastante recente nesse contexto é a reforma finlandesa do ensino, cuja proposta é estabelecer eixos multidisciplinares (transversais) baseados em estudos de fenômenos cotidianos. O objetivo é capacitar os estudantes a refletir sobre transformações concretas em suas realidades. Isso com base em práticas colaborativas e planejadas entre os próprios alunos, com contínua e intensa orientação pelos seus docentes.

Mas não precisamos ir buscar na distante educação finlandesa uma receita de como reformar nosso sistema educacional para produzir indivíduos mais potentes, para atingir o “êxito escolar” e patamares desejáveis de qualidade. Temos um exemplo de pioneirismo e inovação aqui mesmo no Brasil, justamente na maior rede municipal escolar do país: a cidade de São Paulo. Em 2013, a Prefeitura do município empreendeu uma reorganização de sua rede de ensino, incluindo como elemento basilar a obrigatoriedade de realização dos TCAs (Trabalhos Colaborativos de Autoria): projetos desenvolvidos por estudantes ao longo de um ciclo autoral (7º ao 9º ano do Ensino Fundamental), envolvendo análise crítica, leitura, escrita, pesquisa e intervenção social nas comunidades.

O intuito do TCA é ser um canal para a construção de um processo educativo caracterizado pela formação de cidadãos autônomos, conscientes e participativos, por meio do exercício de diversas linguagens, da responsabilidade e da solidariedade. Pelos relatos de educadores da Secretaria Municipal da Educação, os frutos dessa proposta pedagógica têm sido fantásticos, resultando não só em franco desenvolvimento humano dos estudantes como em uma gama incontável de produções originais de intervenção na realidade social da cidade. O aluno se torna, dessa maneira, um protagonista de seu meio.

A questão que então se coloca é: deveríamos e poderíamos aplicar no restante do país esse modelo inovador, para que o Brasil supere seu estrutural fracasso escolar  – medido não só por indicadores de desempenho mas também evidenciado pelas altas taxas de evasão?

Mas não precisamos ir buscar na distante educação finlandesa uma receita de como reformar nosso sistema educacional para produzir indivíduos mais potentes, para atingir o “êxito escolar” e patamares desejáveis de qualidade

Antes de pensar na difusão dessa política, é importante realizar estudo de avaliação de impacto, quantitativo e qualitativo, a fim de mensurar o benefício de sua implementação. Algo que requer tempo e empenho técnico, mas que é essencial para orientar a replicação do formato numa perspectiva de avanço educacional.

Quanto à possibilidade de adoção da política por diversas redes heterogêneas, dois dos méritos do TCA são o caráter adaptativo de seu formato e o fato de que sua implementação não demanda significativos recursos financeiros. Os maiores desafios parecem ser a necessidade de integração dos TCAs nos currículos e o estímulo ao engajamento dos professores, pedras angulares da política. Sem sombra de dúvidas, orientações e diretrizes nacionais em relação a esses pontos seriam indispensáveis, mas não se pode considerar como um esforço grande extra para os formuladores de políticas públicas no país. Afinal, os mandamentos do Plano Nacional de Educação já determinam que nos próximos anos o Brasil deverá concluir uma Base Nacional Comum Curricular (acompanhada de diretrizes curriculares para implementação) e construir planos de carreira (conjuntos de estímulos e incentivos) para os docentes de todos os sistemas de ensino. O espaço para introduzir o TCA como prática pedagógica está, portanto, aberto.

Os TCAs poderiam ser realizados tanto nos anos finais do Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, etapas de desenvolvimento autoral e do pensamento crítico dos jovens, conforme expõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. No Ensino Médio, inclusive, podem ser utilizados como instrumentos componentes das propostas ora em discussão de reformulação da etapa, as quais envolvem a ideia de “trilhas diversificadas” para os estudantes. Além disso, poderiam dar um norte às atividades oferecidas nos contraturnos escolares, muitas vezes desconexas da Educação regular e sem finalidades claro de aprendizado. Em outras palavras, os TCAs podem ser concretos alicerces para uma verdadeira ampliação da Educação Integral no país.

Professores e alunos se reúnem para desenvolver os TCAs.

Professores e alunos se reúnem para desenvolver os TCAs na EMEF 19 de Novembro

Imaginemos o seguinte: poderia ser estabelecido, na Lei atualmente em construção para reforma do Ensino Médio, que os estudantes brasileiros devam realizar, em anos específicos dessa etapa (a cargo da escola), trabalhos acadêmicos de intervenção na realidade de suas próprias comunidades, fortalecendo e fixando os elos de multidisciplinaridade do conhecimento e o protagonismo juvenil. Esses trabalhos poderiam e deveriam ser produzidos em grupo, com orientação docente. Com essa política pública, alcançaríamos o desenvolvimento de competências como a capacidade de autogestão, a responsabilidade, a autonomia de pesquisa  e a disposição para trabalhar em equipe.

Como efeito provável da proposta, aumentaríamos a atratividade do ambiente escolar para os estudantes – uma vez que estes estarão empenhados no estudo de seu interesse. Isso faria decrescer os altos índices de evasão, um dos mais graves problemas na educação nacional, traduzido em sonegação dos direitos de aprendizagem a milhões de jovens no país. Dessa maneira, pela via do protagonismo juvenil, o Brasil poderá construir seu êxito escolar e sua educação de qualidade.